Que grandes perguntas gostarias de ver respondidas na JMJ?
(Para a receção dos símbolos da JMJ Lisboa 2023 na Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de Braga, pediu-se previamente aos alunos que descrevessem a juventude portuguesa atual e que apresentassem as suas dúvidas. Foi à luz desse trabalho prévio que surgiram estas palavras, partilhadas com todos na sessão de receção dos símbolos.)
Qual o sentido da vida?
Como é que a juventude é vista hoje em dia pela Igreja e como cativá-la?
Como é que vão garantir que não vão acontecer mais abusos sexuais?
Como é que os jovens podem mudar o mundo?
Como olha a Igreja para a pobreza e as alterações climáticas?
A fé é importante na vida dos jovens? Como pode a JMJ ajudar a manter e a aumentar a Fé?
Para quê tanto dinheiro público gasto num palco?
A juventude não precisa da Igreja. A Igreja não é uma instituição à qual se adere porque nos faz falta, ou um prestador de serviços do qual devemos ter uma subscrição. A Igreja é uma comunidade da qual fazemos parte porque a fé nos leva até ela.
O nosso Deus seria um deus cruel se colocasse como condição para a felicidade pertencermos à Igreja. Não é esse o nosso Deus. A Igreja é fundada por Jesus, com os seus discípulos, para viverem em comunidade a sua fé. E persiste no tempo porque é juntos que encontramos a felicidade, porque é partilhando caminho com outros que descobrimos quem somos, ao que somos chamados e qual é o sentido da nossa vida.
A Igreja é um fruto da fé, não é condição da fé. A Igreja é feita do encontro das nossas vidas com Deus e uns com os outros.
A ideia de Igreja como organização a manter foi o que nos conduziu ao encobrimento dos abusos. Os abusos são uma página negra da nossa história, da minha história como católico, jesuíta, sacerdote. Abandonámos quem sofre às nossas mãos para tentar salvar a Igreja. Deixámos de ser fermento e tornámo-nos um peso.
Contudo, a página que agora começamos a escrever juntos, em Igreja e como Igreja, é uma graça. É mais do que uma graça: é o Evangelho a cumprir-se!
Nós tendemos a esquecer o Evangelho. Não só na questão dos abusos, mas mesmo nesta recente polémica sobre o palco da JMJ. O que é esta polémica senão o resultado de uma Igreja que se esquece do Evangelho que deve apregoar? Terá de haver um palco. É uma missa de um milhão de pessoas e Fátima não é suficiente. Mas, como já vimos, não tem de ser aquele palco.
Porque temos tanto medo de assumir o Evangelho quando ele se mostra como o caminho fecundo? Porque tentamos esconder as nossas falhas, se o mundo se constrói quando cuidamos das feridas e assumimos as nossas culpas, algo tão central da nossa fé?
Esquecemos o Evangelho… e, surpreendentemente, ele volta em força com o atual escândalo. Em Lucas, podemos ouvir Jesus afirmar: “tudo o que disserem em segredo será proclamado sobre os terraços” (Lc 12,3). Não é isso que está a acontecer? Não é verdade que o que aconteceu atrás de portas fechadas, está agora à vista de todos? Porque duvidamos do Evangelho?
O momento atual deveria reforçar a nossa confiança no Evangelho, a nossa fé no caminho que Cristo nos mostra, a nossa necessidade de vivermos a fé em Igreja, e não para a Igreja. E é isto que o relatório da Comissão Independente para o Estudos dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja nos permite. E é isso que a implementação de uma cultura de cuidado e atenção ao vulnerável pode fazer nascer. É esta a nossa esperança: que o Senhor cubra o deserto criado pelos abusos de uma nova vida. Ele não pode apagar a terra estéril que criámos, não a pode suspender ou derrogar; mas pode, e deseja, torná-la fecunda.
Como fecunda será a JMJ Lisboa 2023 se a vivermos como tempo favorável para renovar e aprofundar uma das grandes paixões do Papa Francisco: a ecologia integral, a promoção de relações justas entre nós e com a realidade que nos circunda.
Como fecunda será a JMJ Lisboa 2023 se a vivermos como tempo favorável para renovar e aprofundar uma das grandes paixões do Papa Francisco: a ecologia integral, a promoção de relações justas entre nós e com a realidade que nos circunda. Cuidar da casa comum implica colocar no centro das nossas decisões os pobres, os excluídos, os marginalizados, os descartados e a Mãe Terra. Cuidar dos nossos irmãos e do planeta deve ser uma só preocupação. E há aqui tantos passos por dar.
E para dar esses passos, precisamos de santos! Precisamos de quem esteja inconformado com a ordem do mundo, de quem rejeite a rivalidade e a violência e rasgue horizontes de perdão e de paz. Um santo é alguém que sabe que a compaixão pelo outro é o que torna possível o futuro. É pela vida que se dá, e não pela convicção que se impõe, que se pode mudar o mundo. É este o sentido maior das nossas vidas: dar vida dando a vida!
O que afasta a juventude, e muitas mais pessoas da Igreja, é a nossa inclinação para a autopreservação, algo tão natural como mortal, desde o aparentemente inócuo ‘sempre foi assim’ ao encobrimento para evitar escândalo. Há que voltar ao Evangelho, sempre! Há que arriscar o Evangelho, sem receios!
Qual é o caminho de Jesus? É o de rejeitar a autopreservação, dando a sua vida. É o caminho de quem está na Cruz e consola, de quem está na Cruz e perdoa. É isto que vivemos no Tríduo Pascal. E é para aprender a entrar amorosamente nos nossos limites e feridas, e permitir que deles brote nova vida, que temos a Quaresma.
Não são os jovens que precisam da Igreja. É a Igreja que precisa dos jovens.
Vocês têm uma ambição que falta aos corredores do Vaticano e aos Paços Episcopais, que falta às nossas sacristias e liturgias, que falta mesmo aos encontros de grupos de jovens, em que vivemos mais preocupados com as atividades que organizamos do que com escutar quem está, e construir, com eles, um futuro.
A JMJ existe porque a juventude quer mudar a Igreja, quer que ela seja algo diferente. Ela existe porque a juventude não desiste da Igreja, apesar da mesma Igreja, demasiadas vezes, a ignorar.
A JMJ existe porque a juventude quer mudar a Igreja, quer que ela seja algo diferente. Ela existe porque a juventude não desiste da Igreja, apesar da mesma Igreja, demasiadas vezes, a ignorar.
A JMJ não nasceu nos gabinetes. Nasceu da vontade dos jovens. Quando João Paulo II organizou o primeiro encontro diocesano de juventude estava a contar com 60 mil, e todos de Roma. Apareceram 250 mil e dos quatro cantos do mundo.
Os Papas souberam reconhecer este sinal do Espírito. Apostaram, com muita esperança, na JMJ como a grande oportunidade para que os jovens se encontrem, para que partilhem as suas esperanças e desânimos, para que sonhem juntos um novo mundo e, assim, contagiem toda a Igreja… e, através dela, todo o mundo, com as sementes de uma grande alegria, de uma nova alegria, que não depende de esforços isolados, mas sim de um grande sonho partilhado.
A juventude encontra-se numa encruzilhada. E, como vocês nos dizem no vosso autoretrato, ela é um corpo cheio de esperança, ativo, livre, rebelde, com um grande sentido de futuro, e, ao mesmo tempo, uma realidade onde habita um sentimento de deriva, de ausência de sentido e de pertença.
Como contornar isto? Não há que contornar, há que atravessar. É isso que Cristo nos mostra: a cruz, a dificuldade, não se deve evitar, deve-se atravessar, guiados pela fé. E somente podemos atravessar a situação atual se o fazemos juntos, encontrando-nos com outros, escutando, e arriscando caminhos até agora por imaginar.
Daniel Faria escreveu:
Como a paveia atrás do segador
vejo os pés descalços dos que correm
E escrevo para os que morrem sem nunca terem provado o pão
Grito-lhes: imaginai o que nunca tivestes nas mãos
Correi. Como o segador seguindo o segador
Numa ceifa terrestre. Digo:
Imaginai
Imaginai…
A grande crise dos nossos tempos não é política, nem financeira, nem social, nem económica. O grande desafio dos nossos tempos é o da imaginação. É o do sonho.
Há pressa no ar… a pressa de futuro. Aceitemos o convite do Papa Francisco e, com Maria, partamos, apressadamente, rumo ao futuro. E se quiserem aceitar uma sugestão, eis o ponto de partida: Lisboa, agosto de 2023.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.