1. Como mel para a boca
Antes de lhe falarmos do resto da família, oiça a grande Maria Callas cantar a Ave Maria de Schubert em honra da Mãe.
https://www.youtube.com/watch?v=sE1WoMocTlw
2. Um texto bíblico
Depois de terminar estas parábolas, Jesus partiu dali. Tendo chegado à sua terra, ensinava os habitantes na sinagoga deles, de modo que todos se enchiam de assombro e diziam:
– De onde lhe vem esta sabedoria e o poder de fazer milagres? Não é Ele o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? Suas irmãs não estão todas entre nós? De onde lhe vem, pois, tudo isto?
E estavam escandalizados por causa dele. Mas Jesus disse-lhes:
– Um profeta só é desprezado na sua pátria e em sua casa.
E não fez ali muitos milagres, por causa da falta de fé daquela gente.
Evangelho segundo São Mateus 13,53-58
3. O esclarecimento
A Igreja defende duas coisas:
- Que Jesus é o único filho da «Sagrada Família», que ele forma com Maria, sua mãe, e José, seu pai adoptivo;
- Maria era virgem antes do nascimento de Cristo e assim se conservou…
… então, por que é que o texto do Evangelho fala dos «irmãos» de Jesus, referindo inclusive quatro pessoas concretas?
Pala elucidar a questão, fomos reler o texto grego, língua em que os evangelhos foram redigidos.
Pois bem, veja lá que:
- na versão em grego de Mateus, em 13,55 é utilizado o termo adelphos, que equivale a irmão ou meio-irmão;
- ora, para exprimir um laço de parentesco mais afastado, o termo em grego clássico seria anepsios, que significa primo ou sobrinho.
Deste modo, a tradução, de acordo com o grego clássico, parece indicar que Jesus terá tido irmãos ou meios-irmãos.
No entanto, o vocabulário empregue na Bíblia em grego (a LXX) para exprimir o parentesco apresenta uma verdadeira anomalia:
- Anepsios (primo) aparece apenas quatro vezes… como se a Bíblia mencionasse apenas quatro primos em milhares de páginas e em dezenas de gerações! Ora, a Bíblia fala claramente de muitos outros primos. Mas, de todas as vezes, é o termo adelphos que é empregue.
- De facto, o sentido de adelphos em grego foi alargado por influência do hebraico, que designa como «irmão» até um membro da família mais ou menos afastado (primo, sobrinho, tio). Aliás, Jesus utiliza-o para falar dos seus discípulos.
O grego da Bíblia, o que se falava no Médio Oriente naquela época, não é o grego clássico. Sofreu uma forte influência do hebraico e do aramaico. De um modo erudito, chamamos-lhe «grego koiné», ou seja, «grego popular».
4. E ainda uma palavra final…
O que dizer, então, para concluir? Duas coisas.
- Quando uma tradução do Novo Testamento fala dos «irmãos de jesus», está a traduzir (demasiado?) literalmente o grego adelphos, apesar de este termo referir uma série de situações na Bíblia. Neste caso, evoca provavelmente um membro da família alargada de Jesus.
- Não podemos tirar conclusões precipitadas do texto, por mais apetecíveis que sejam. Para compreender bem o sentido, é muitas vezes necessário atender ao contexto e analisar com cuidado a terminologia – ou ler os artigos PRIXM todos os Domingos…
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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