1. Como mel para a boca
Hoje descobriremos por que razão os judeus do mundo inteiro pedem insistentemente que a chuva venha… tal é a ânsia, que poderiam cantar com a mesma vivacidade a música It’s raining men, das The Weathers Girls…
2. Dois textos bíblicos
| Do Antigo Testamento |
O Senhor falou a Moisés nestes termos: «Fala assim aos filhos de Israel: ‘No décimo quinto dia deste sétimo mês, celebrar-se-á a festa das Tendas, em honra do Senhor, durante sete dias. No primeiro dia haverá uma assembleia sagrada, não fareis nenhum trabalho servil. Em cada um dos sete dias, apresentareis uma oferta queimada ao SENHOR. No oitavo dia, fareis ainda uma assembleia sagrada e apresentareis uma oferta queimada ao Senhor: é uma reunião festiva e não fareis nenhum trabalho servil.’» (Lv 23, 33-36)
| Do Novo Testamento |
No último dia, o mais solene da festa, Jesus, de pé, bradou: «Se alguém tem sede, venha a mim; e quem crê em mim que sacie a sua sede! Como diz a Escritura, hão-de correr do seu coração rios de água viva.»
Ora Ele disse isto, referindo-se ao Espírito que iam receber os que nele acreditassem; com efeito, ainda não tinham o Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado. (Jo 7, 37-39)
3. O esclarecimento
Para os nossos amigos judeus, hoje é o último dia da Succot, a Festa das Tendas. Jesus também a celebrava. Na semana passada, vimos como os judeus a celebraram ao longo dos tempos: Hoje, vamos explorar outra dimensão desta Festa.
| O texto do Levítico |
O texto do Levítico (este livro bíblico é um manual para os filhos de Levi, os servidores do Templo) descreve os numerosos holocaustos pedidos por Deus para a ocasião da Festa das Tendas. Um holocausto é um sacrifício animal oferecido no Templo de Jerusalém: o animal é totalmente queimado e “sobe” (pelos fumos aromáticos) até Deus.
(já agora: holocausto vem do grego e significa “totalmente queimado”; em hebreu, “holocausto” diz-se ‘olah’ e quer dizer “o que sobe”).
Sacrificar um animal supunha, evidentemente, matá-lo, tirando-lhe o sangue e cortando-o em partes. Durante a Festa da Souccoth estava ainda muito calor; e, no Médio Oriente, por essa altura, teriam passado certamente vários meses sem chover. Para lavar os lugares e utensílios ensanguentados, havia, portanto, que descer do Templo até à fonte de Siloé, situada muitas centenas de metros abaixo daquele espaço sagrado.
Em resumo, na altura da Festa das Tendas, a água tornava-se o bem mais esperado: de tal maneira que era esta a intenção principal da oração de todo o povo. Aliás, ainda hoje, os judeus do mundo inteiro – quer estejam debaixo de chuvas torrenciais em Nova Iorque quer sob o intenso sol de Marraquexe – rezam, durante este período, para que chova em Jerusalém… ainda que os sacrifícios animais já lá não se realizem há muito tempo!
| O texto do Evangelho |
É no momento desta Festa que Jesus, em pleno Templo, declara:
«Se alguém tem sede, venha a mim; e quem crê em mim que sacie a sua sede! Como diz a Escritura, hão-de correr do seu coração rios de água viva.»
Os Levitas tinham razão para ficar desconcertados: eles a fazer idas e voltas incessantes em busca da água (seja em Siloé, seja nos aquedutos que Herodes construíra com os seus amigos romanos)… e Jesus, assim, sem mais, a prometer água em abundância!
É impossível perceber o caráter provocador desta declaração de Cristo se não se conhece o contexto desta Festa!
É um pouco o que fazemos constantemente com o PRIXM, mas gostaríamos de aproveitar a Festa das Tendas para lhe recordar: é difícil compreender o Novo Testamento – e as próprias palavras de Cristo – se as não colocarmos numa cultura muito concreta. Jesus era judeu e, para o compreender, há que aprender a conhecer a tradição judaica da época do Templo.
4. Uma palavra final
Deixamos a palavra final a um grande teólogo do século XX: Hans Urs von Balthasar.
“Os textos ganham vida de um modo totalmente novo quando pomos a nu o seu contexto histórico; é então que eles falam, melhor do que nunca… e começam um interminável e belo diálogo uns com os outros, um diálogo comparável ao diálogo ecuménico.”
(Hans Urs von Balthasar, Retour au Centre, Desclée de Brouwer, Paris, 1971.)
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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