Há um tempo para tudo!

The Byrds, Ovídio e um texto de Qohelet ou Eclesiastes que merece um segundo olhar e a corrente holandesa das Vaidades para viver de outra forma o tempo que passa...

The Byrds, Ovídio e um texto de Qohelet ou Eclesiastes que merece um segundo olhar e a corrente holandesa das Vaidades para viver de outra forma o tempo que passa...

1. Como mel para a boca

“Há um tempo para tudo”: é uma das muitas expressões bíblicas que entraram na linguagem do quotidiano. No entanto, não prestamos muita atenção aos seus múltiplos usos na cultura actual.

A expressão foi usada, entre outros, pelo famoso grupo The Byrds « to every thing, [turn!turn!turn] there is a season, and a time to every purpose »… ♪ ♫


2. Um texto bíblico

Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu:

Tempo para nascer e tempo para morrer,
Tempo para plantar e tempo para arrancar o que se plantou,

Tempo para matar e tempo para curar,
Tempo para destruir e tempo para edificar,

Tempo para chorar e tempo para rir,
Tempo para se lamentar e tempo para dançar,

Tempo para atirar pedras e tempo para as ajuntar,
Tempo para abraçar e tempo para evitar o abraço,

Tempo para procurar e tempo para perder,
Tempo para guardar e tempo para atirar fora,

Tempo para rasgar e tempo para coser,
Tempo para calar e tempo para falar,

Tempo para amar e tempo para odiar,
Tempo para guerra e tempo para paz.

Que proveito tira das suas fadigas aquele que trabalha?

Eu vi a tarefa que Deus impôs aos filhos dos homens para que dela se ocupem. Todas as coisas que Deus fez, são boas a seu tempo. Até a eternidade colocou no coração deles, sem que nenhum ser humano possa compreender a obra divina do princípio ao fim.

Eu concluí que nada é melhor para o homem do que folgar e procurar a felicidade durante a sua vida.

Todo o homem que come e bebe e encontra felicidade no seu trabalho, tem aí um dom de Deus.

Qohelet 3,1-13


3. O esclarecimento

Aqui está um texto impressionante, um bom excerto de sabedoria para ler e meditar…

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Rachel Ruysch (1664-1750), Vaidade, Tulipas e crânio,
 Museu Jeanne d’Aboville, Saint-Quentin, França.

Pela primeira vez no Antigo Testamento, podemos encontrar neste excerto o “eu” de quem adopta a postura de um investigador que observa antes de emitir juízos ou tirar conclusões. A inteligência e a racionalidade fundadas na experiência são daqui para diante tomadas como critérios de conhecimento.

Este redactor, de estilo lapidar, impõe-se pela sua autoridade: as afirmações são alicerçadas na experiência pessoal aprofundada pela meditação e por uma vasta recolha de observações. Fica apenas um conselho a dar a propósito de tal sabedoria: a releitura uma e outra vez para aprofundar a meditação…

 

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David Bailly (1584-1657), Vaidade nos retratos (1651), 
Museu urbano de Lakenhal, Leyde, Holanda.

A transitoriedade das coisas é um tema central no livro de Qohelet ou Eclesiastes, onde se afirma: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”. É daqui que surge o nome do género artístico particularmente presente na idade de ouro holandesa: as Vaidades, verdadeiras alegorias do tempo que passa. Eis alguns dos seus temas favoritos: um crânio humano a indicar o fim de cada pessoa, uma ampulheta que vai descontando o tempo que passa, flores a ponto de murchar, etc. Um verdadeiro prazer…

Como o escravo que, durante os triunfos dos generais romanos, lhes sussurrava ao ouvido Memento Mori (“lembra-te que vais morrer”), as Vaidades recordam a quem as observa a sua mortalidade: a tua vida também acabará um dia. Por outro lado, e como o poeta, as Vaidades também lhe dizem Carpe Diem (“Aproveita o aqui e agora!”). Todo um programa de vida…


4. E ainda uma palavra final…

Estes excertos de sabedoria presentes no Próximo-Oriente encontram eco na literatura latina. Ovídio ilustra-o de forma sublime:

Como uma onda é tomada por uma onda, e a precedente é pressionada pela que vem, e esta pressiona a precedente, assim paralelamente os momentos fogem e paralelamente seguem, e são sempre novos.

(Ovídio (I séc. a. C.), Metamorfoses 15,181)

Mais do que uma imagem um pouco desesperante da monotonia do tempo que passa, porque não ver nestas ondas uma imagem da graça, que se oferece sem cessar, interminável e sempre nova, como a luz, em cada amanhecer?

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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