Já há muito tempo que não escrevia para o Ponto SJ. Na verdade, desde o princípio do confinamento que não escrevo sobre a deficiência nem sobre o trabalho do Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência do Patriarcado de Lisboa. E não foi por falta de assunto porque há tanto para falar… Talvez porque tenha passado pela surpresa, pelo receio, pela adaptação de uma nova maneira de viver. Queria escrever, mas estava vazia de palavras, queria dar uma palavra de alento e de esperança, mas faltava a força e a ousadia de quem navega sem mapa e sem saber o destino.
Passado um ano, olhando para trás, encontramos razões de alegria e esperança a par com motivos de tristeza e desalento.
Começando pela tristeza e desalento. O Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH) fez um estudo sobre o impacto da pandemia nas pessoas com deficiência, em dois inquéritos online separados – um durante a fase de confinamento e o segundo já em fase de desconfinamento – envolvendo 1051 respostas. Na página do Observatório surge imediatamente uma previsão do que vamos encontrar: ‘…como ocorre com qualquer outra crise, é nos grupos mais vulneráveis, nos quais se incluem as pessoas com deficiência e as suas famílias, que mais se fazem sentir os efeitos negativos da difícil conjuntura que enfrentamos.’
Podemos ver o impacto nas pessoas com deficiência, nas suas famílias e cuidadores em vários contextos: nas questões do acesso a apoios e serviços, no acesso à educação e ensino, na saúde e bem-estar psicológico, no acesso à informação e comunicação sobre a pandemia, na perceção do risco, na confiança nos serviços de saúde, no acesso a equipamentos de proteção e nas situações de discriminação relacionadas com a pandemia. O estudo está disponível no site do ODDH e é muito importante tomar conhecimento desta realidade. Lê-se no testemunho dos pais e cuidadores frases como: “Na escola nunca pensaram no caso do meu filho”; “Na escola tinha alguma autonomia. Em casa, sem poder sair, está mais difícil ser autónomo” ou “O meu filho é autista e não compreende que não pode sair de casa. Saiu das rotinas, o que torna a ansiedade muito grande”. Encontram-se as dificuldades concretas dos pais que tiveram que deixar para trás os seus trabalhos para cuidar dos filhos que estão em casa. Não é justo. E cada um de nós tem um papel a desempenhar para a melhoria de condições de vida de todos, diz-nos respeito a todos.
Mas são muitas as razões de alegria e esperança… Quer por iniciativa do Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência da Conferência Episcopal Portuguesa, quer por iniciativa do Movimento Fé e Luz em Portugal aconteceram vários encontros online de oração de pessoas com deficiência e das suas famílias e cuidadores. Estes encontros foram muito participados e acredito que se fossem presencialmente não seria viáveis. Desde famílias a instituições, leigos, clero e episcopado, todos se juntaram para conversar, cantar e rezar. Uma verdadeira manifestação de fé neste Jesus que nos ama incondicionalmente e que se quer encontrar com cada um de nós! A alegria contagiante destes encontros virtuais não passa despercebida a quem por lá passa e provoca a vontade de voltar, em busca desta forma simples de viver – cada pessoa com o que tem e sobretudo com o que é.
A alegria contagiante destes encontros virtuais não passa despercebida a quem por lá passa e provoca a vontade de voltar, em busca desta forma simples de viver – cada pessoa com o que tem e sobretudo com o que é.
No futuro próximo encontramos mais caminho a fazer. Da vivência com a deficiência surge a reflexão sobre as múltiplas dimensões com que se aborda a condição de cada um. As pessoas com deficiência, as suas famílias, as instituições e a sociedade em geral enfrentam desafios vários face à deficiência, que não são estanques. A Educação tem que dialogar com a Saúde e com as Artes e com a Política. Temos que saber o que é a deficiência, vivê-lo na primeira pessoa e com todas as pessoas, dar-lhe voz, construir comunidade. O que se pode fazer contando histórias, não daquelas de fantasia, mas histórias reais de vidas reais que nos ensinam a construir uma sociedade mais fraterna. Onde todos nos preocupamos com todos, onde todos aprendemos com todos, onde todos somos irmãos. A Universidade Católica do Porto, através da Área Transversal de Economia Social (ATES) propõe uma construção coletiva a partir das narrativas de cada um, na forma de um curso avançado para todos. Vai arrancar já a meio de abril e prolonga-se até junho. É grande a expectativa do que esta formação pode trazer áquilo que somos enquanto Comunidade! (as inscrições terminam na quarta-feira)
Há tanto para fazer… Continuamos cheios de alegria e esperança!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.