1) Antes de tudo clarificar conceitos, práticas e situações.
-“Desligar as máquinas”, como se costuma dizer, quando são claros os indicadores de morte cerebral, não é eutanásia. Também não o é suspender tratamentos e suportes artificiais, por vontade do doente, sobretudo se se considera já ser um processo irreversível.
– Seria também má prática médica continuar com tratamentos fúteis, sem efeito curativo nessas situações. A isso se chama “encarniçamento” ou “obstinação” terapêutica.
– Boa prática médica é deixar esse tipo de intervenções, para dar lugar aos Cuidados Paliativos. Essa disciplina e ciência médica, tão importante, não consiste apenas em tirar as dores, mas também em proporcionar à pessoa um acompanhamento humanizado, atento aos grandes sofrimentos que são de ordem afectiva, psicológica, social e espiritual. Estes cuidados não existem para se opor à eutanásia; devem ser a boa prática comum, sobretudo quando os cuidados curativos já são inúteis ou contra-indicados: são os cuidados que atendem à dignidade da pessoa toda, em situações terminais ou sem cura.
– Também não é eutanásia, nem sequer “eutanásia aos bocadinhos”, a medicação certa que possa ter, como efeito secundário, algum encurtamento do tempo de vida. Aliás, todo o medicamento tem contra-indicações, que, assumidas, são o reverso bem ponderado da boa prática clínica.
– Igualmente não é eutanásia que a própria pessoa doente não queira ser tratada, com esforços e trabalhos especiais, e apenas deseje que a natureza siga o seu processo natural. Sobretudo quando isso permite que viva os seus últimos tempos (que podem ser largos!) dispondo da sua vida e tratando dos seus interesses e relações.
– Eutanásia é matar uma pessoa doente ou sofrida, a seu pedido. Em princípio é a morte provocada intencionalmente, por uma acção ou omissão,por um profissional de saúde.
2) Posto isto, costuma defender-se a eutanásia com os seguintes argumentos:
– Seria uma “morte digna”.
Mas será que uma pessoa sofrida, limitada e diminuída perdeu a sua dignidade? E se for bem tratada, bem acompanhada, ajudada a dar sentido à situação, experimentando o amor e o respeito dos seus e da comunidade?
– Para tirar um “sofrimento insuportável”…
Mas a eutanásia não tira a dor nem o sofrimento: tira a vida. O que corrige isso é a ciência dos paliativos e o seu enquadramento humano.
– Para respeitar a “liberdade” de querer morrer!
É preciso saber que “liberdade” é essa, e o que significa esse grito de mal-estar da pessoa, que, tantas vezes, termina quando há atenção, apoio humano, compreensão e ajuda na solidão ou na dificuldade de dar sentido à sua situação. Mas, quando, em vez disso, lhe fazemos sentir que é um peso, um grande encargo económico e emocional… então está-se a empurrá-la para esse “desejo”: que a matem. Falsa saída, curto-circuito, demissão dos acompanhantes.
(Stephen Hawking, com a sua doença incurável perdeu a dignidade? Ou tê-la-ia perdido se não tivesse meios humanos e económicos, etc.?)
(Ramón Sampedro, tetraplégico, queria morrer, porque, dizia, “uma vida sem sexo não tem sentido!”Não terá mesmo? Será um argumento válido?)
– Por “compaixão”.
Compaixão é a grandeza de espírito que acompanha o outro até ao fim. Se não se é capaz de o fazer, por fraqueza pessoal, então: “mato porque não aguento” (o meu próprio sofrimento ao vê-lo sofrer); por isso desisto. Não se resolvem problemas nossos matando outros. (Mesmo que seja decisão da maioria: isso não quer dizer que tenha razão!)
– Porque é preciso ter “coragem” para não ficar preso a tabus religiosos em vez de libertar os que sofrem.
Esta grande falácia revela a fraqueza de quem justifica a violência por um mundo plastificado, sem lugar para os fracos, deficientes, etc. E o mundo já viu onde levam essas ditaduras: um mundo mais “limpo” de quem não interessa ou de quem nos “pesa”.
– Por “decisão médica”sobre quem já não tem futuro (ou por “respeito” por quem não quer viver!).
Mas matar (a não ser em legítima defesa) nunca poderá ser um Acto Médico. E se essa falta de ética médica se legalizar, então será uma grande machadada na credibilidade médica. E os médicos “eutanasistas” deveriam usar um “crachat” identificativo. E qualquer utente devia ter o direito de os rejeitar.
3) O que é preciso:
– criar condições médicas, sociais, económicas, afectivas, espirituais, para que cada caso, sem legalizações generalistas, possa ser acompanhado com todo o cuidado e dignidade que precisar.
– ter verdadeiro respeito pela dignidade da pessoa frágil. Dizer que “não há dinheiro, nem camas nos hospitais, nem equipas preparadas, etc.”, e não tomar isso como prioridade, é uma irresponsabilidade. São essas pessoas que, antes de mais, nos abrem os olhos para a realidade da fragilidade de todo o ser humano e assim nos humanizam e mobilizam para um mundo mais justo.
– é urgente uma educação, desde cedo, para o valor de toda a vida humana, para a não-violência e para o desmascarar de soluções contra-natura, para a corresponsabilidade e atenção aos mais fracos, e para a capacidade de dar sentido a todas as situações (até às menos desejáveis) que nos possam acontecer.
– denunciar as falsas soluções com aparência de bem (pragmático, rápido, limpo, economicista, mas nada ecológico) sob a capa de direitos de liberdade e dignidade individualistas, sem deveres quanto ao bem-comum e à prioridade da pessoa humana.
– tomar consciência de que se trata de uma questão ética. Ou seja, da exigência de procurar o bem maior da pessoa e os caminhos para um mundo mais humanizado e com mais futuro para todos. Isto é: como pôr o conhecimento científico, social, técnico e económico, ao serviço da justiça e do bem-comum. A ética (a moral) depende da antropologia: de quem somos e queremos ser para ser mais Humanos. E é sobre isso que nos devemos entender.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.