Agora que o Tribunal Constitucional (TC) chumbou a lei da eutanásia, vale a pena pensar nisto:
1. Entre “eutanasistas” e não só, surgiu logo o seguinte comentário: afinal o Art. 24º da Constituição sobre a inviolabilidade da vida humana não foi preciso, não funcionou; preparemos já outra lei… Ora, foi, precisamente, o contrário que aconteceu. Foi à luz desse Artigo que o TC pôde dizer que só uma situação de exceção, claramente bem determinada e responsável por esse tipo de morte (considerado a favor da vida!), poderia ser legitimado. Ou seja, só com razões precisas, não havendo alternativa e executado com responsabilidade assumida, poderiam justificar tal ação: no fundo, só se esse matar fosse em defesa da vida, poderia ser constitucional. Parece um paradoxo! Mas é semelhante à afirmação de que “matar em legítima defesa” (da vida) não é crime.
2. Fica claro que não há razão suficiente para legitimar uma eutanásia, apoiada apenas no juízo subjetivo do médico sobre a liberdade do pedido e a insuportabilidade do sofrimento. Como se mede essa insuportabilidade, quando a ciência e os cuidados paliativos têm respostas abrangentes? Outra coisa são as dores morais e espirituais em grande solidão e abandono. Mas a resposta a esse grito nunca será matar a pessoa! Realmente o que é urgente e necessário é uma lei eficaz que disponibilize todos esses cuidados para todos. Esse direito deve existir. E dizer que se faz eutanásia porque não existem tais meios, pode ser uma desculpa “ideológica” disfarçada de “compaixão”.
O que é urgente e necessário é uma lei eficaz que disponibilize todos esses cuidados para todos. Esse direito deve existir. E dizer que se faz eutanásia porque não existem tais meios, pode ser uma desculpa “ideológica” disfarçada de “compaixão”.
3. Outra questão que se pode e deve levantar é sobre o poder de uma Assembleia política em tais casos e situações. Os deputados eleitos por partidos políticos representam o povo nestas questões? E uma questão como esta que, uma vez legitimada, cria uma situação irreversível, (ainda que esteja dentro dos seus poderes) não necessitaria de muito mais reflexão, escuta e debate com instâncias éticas reconhecidas, na busca de um consenso? Não se trata de um debate quotidiano de esquerdas-direitas. Mais ainda: aceitar que se resolve com uma simples maioria: 51% contra 49 %, poderá alguma vez representar a vontade de um povo? Existem maiorias qualificadas, de 2/3 ou até 3/4, por exemplo, certamente com maior credibilidade! A não ser que não se queira procurar o bem comum, mas impor certos interesses e ideologias.
4. Aliás, é evidente que pelo facto de se ter maioria, não se tem, forçosamente, razão. A maioria tem peso, impõe-se pela força. Já para não falar do modo, das pressões, dos compadrios como, por vezes, se conseguem tais maiorias! A História da humanidade está cheia de casos e situações que mostram que os verdadeiros avanços provêm mais de minorias especializadas ou até de indivíduos que veem mais longe, do que de ideias impostas pela contagem de braços no ar.
5. Por fim, se algum dia, não por consenso sobre o bem comum e o respeito pela vida, se vier a impor uma legalização da eutanásia, fruto de maiorias e ideologias ingénuas ou perversamente liberalistas e fraturantes, então, como direito dos utentes, todo o pessoal médico, favorável a tais práticas, deveria usar sempre o “crachat”: sou a favor da eutanásia. Tendo cada pessoa o pleno direito de rejeitar os seus “serviços” e obter o imediato acesso a outros cuidados.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.