Escutar, vigiar, agir

No dia de Oração pela Criação, dia 1 de setembro, escutemos o Santo Padre, escutemos o clamor da Terra, escutemos os nossos Irmãos, muitos dos quais sofrem. Ao escutarmos, o que precisamos de fazer?

No dia de Oração pela Criação, dia 1 de setembro, escutemos o Santo Padre, escutemos o clamor da Terra, escutemos os nossos Irmãos, muitos dos quais sofrem. Ao escutarmos, o que precisamos de fazer?

“Escutem!” O Papa exorta-nos com diligência a escutar, na encíclica Laudato Sí, na convocação do Sínodo, nas homilias, sempre quando nos fala.  Ao escutarmos, prestamos atenção e tomamos conhecimento do que se passa.  É o passo antes da ação. No dia de Oração pela Criação, dia 1 de setembro, escutemos o Santo Padre, escutemos o clamor da Terra, escutemos os nossos Irmãos, muitos dos quais sofrem. Ao escutarmos, o que precisamos de fazer?

Na encíclica, o Papa expõe a crise ecológica, que se manifesta este ano com calor excessivo, grande seca e fogos em muitas partes do mundo, incluindo no nosso Portugal. Desastres naturais que sofremos todos, mas que afligem em particular os mais pobres. Por isso, o Papa refere que a crise é mais do que ecológica, é civilizacional. As alterações climáticas, a perda de biodiversidade, a poluição dos mares, do ar e da terra provêm, em grande parte, do comportamento humano e da sua ação descuidada, representando uma degradação ética.

Por isso, o Papa apela a uma conversão espiritual, a uma ecologia integral. Para cuidar da Terra, precisamos de cuidar do nosso espírito. Inspirado por S. Francisco de Assis, o Papa delineia a ligação entre a natureza, a sociedade, a justiça e a paz interior. Tudo está interligado.  A ecologia integral transcende a gestão científica, económica e política para o essencial do que significa ser humano.

No mundo, a natureza que nos envolve é vista fora de nós. Compreende recursos para o nosso proveito.  Porém, o Papa Francisco lembra que “o nosso corpo é constituído pelos elementos do Planeta”, e ao destruí-lo, estamos a prejudicar-nos. Os recursos da Terra alimentam-nos e devem ser aproveitados com respeito, sem desperdício. Oikonomia em grego quer dizer “gestão da casa”, o que implica explorar, produzir, e consumir com atenção e responsabilidade.

Temos que ir além das soluções tecnológicas, regulamentação e do apoio financeiro para acelerar o processo de descarbonização e para criar uma sociedade onde as pessoas possam viver em harmonia com a natureza e entre si, respeitando a dignidade de cada um.  

É com a crise ecológica que se manifestam as transgressões: a cultura do individualismo, o consumismo, a competição, a avareza, o crescimento económico sem limites, o que impede uma gestão cuidadosa da “nossa casa”.  Observamos sucessivos desastres naturais. É imperativo olharmos para este desafio na sua integralidade e com sinceridade, sem ilusões nem encontrando pretextos.

A natureza é um bem coletivo, património de todos e ao cuidado de todos.  Todos contribuímos para a crise, por isso devemos participar na sua solução, de uma forma holística. Tudo está interligado. A solução não se encontra em respostas fragmentadas. Nem contando só com o mercado livre para resolver a crise. Temos que ir além das soluções tecnológicas, regulamentação e do apoio financeiro para acelerar o processo de descarbonização e para criar uma sociedade onde as pessoas possam viver em harmonia com a natureza e entre si, respeitando a dignidade de cada um.

Para responder ao apelo do Papa, precisamos de construir o bem comum.  Jacques Maritain, o filósofo católico, para quem o bem comum não é simplesmente um conjunto de bens públicos, descreve o que representa a vida boa, humana. A Terra oferece-nos recursos naturais, e a sociedade proporciona as condições de existência e desenvolvimento pessoal, permitindo-nos satisfazer os nossos desejos emocionais e espirituais.  Fazemos parte de um corpo dinâmico e não somos apenas a soma das partes individuais. Tudo está interligado. Contribuímos todos para o bem comum.

O Papa Francisco apela-nos a uma conversão ecológica, a uma transformação cultural. Não amamos a Terra, se continuarmos a destruí-la. Não amamos o outro se o tratamos mal.  Cuidar da Terra é um ato de amor e de justiça para com a mesma, assim como para com os nossos Irmãos, presentes e futuros.  As gerações futuras merecem herdar bens que lhes permitirem viver em dignidade. Uma ecologia integral implica abdicar-se de uma acumulação excessiva de bens e de prazeres; que permita a adoção de uma vida equilibrada e responsável, em harmonia com a Criação.

 

Fotografia: Prottoy Hassan – Unsplash

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.