Na mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial dos Pobres que se assinalará no dia 17 (próximo domingo), podemos compreender a dinâmica da pobreza com a injustiça, as desigualdades e o sofrimento humano. Famílias obrigadas a deixar as suas terras, por razões de subsistência ou de guerra, jovens que não conseguem encontrar emprego, pessoas sem abrigo, homens, mulheres e crianças que vivem em condições de privação material severa, migrantes e refugiados… Quantas vezes a nossa sociedade ignora estas pessoas? Quantos vezes a nossa arrogância afunda ainda mais a condição de vulnerabilidade do outro? Haverá maior pobreza do que a falta de amor?
As crianças merecem especial atenção nesta mensagem, porque, infelizmente, nem todas têm as mesmas oportunidades de concretização dos seus direitos humanos.
Os relatórios nacionais e internacionais sobre o risco de pobreza e de exclusão social são claros: as crianças continuam a ser as mais afetadas. Aumenta o risco quando integram famílias monoparentais ou quando são filhas de pais desempregados ou com empregos pouco qualificados. E a pobreza e a exclusão social têm influência direta na sua saúde física e mental, aumentando a probabilidade de adoecer.
Mas, a mensagem do Papa não nos fala apenas da pobreza enquanto conceito material, vai mais longe… Inclui todas as crianças que vivem desprotegidas ou fragilizadas e as que são vítimas de violência.
Os relatórios nacionais e internacionais sobre o risco de pobreza e de exclusão social são claros: as crianças continuam a ser as mais afetadas. Aumenta o risco quando integram famílias monoparentais ou quando são filhas de pais desempregados ou com empregos pouco qualificados. E a pobreza e a exclusão social têm influência direta na sua saúde física e mental, aumentando a probabilidade de adoecer.
Sabemos que os primeiros anos de vida são determinantes para a criança e que toda a violência afeta o seu desenvolvimento. É na família, como sublinhou Bowlby, onde se experimentam os vínculos relacionais mais significativos, onde se criam os primeiros padrões de adaptação e sobrevivência, e onde a criança aprende a desenhar o mapa com que mais tarde se vai orientar no mundo das relações.
As crianças precisam de crescer em ambientes seguros e afetivos, precisam de famílias onde o amor firme seja a regra lá de casa. Precisam também de comunidades com bons recursos, nomeadamente com serviços de saúde e educação de qualidade, com respeito pelas suas necessidades específicas. Precisam de ter acesso a uma alimentação saudável. Precisam que os seus bairros tenham espaços verdes e livres de poluição para brincar. Precisam de políticas de apoio às suas famílias, que incluam condições adequadas de conciliação da vida profissional e pessoal dos seus pais. Precisam de ter garantido o seu direito de viver de forma despreocupada e livre. Precisam de poder sonhar (sobre o que quer que seja)… Precisam de acreditar que podem contribuir para um mundo onde o bom trato e o bem sejam vencedores de todas as batalhas…
O sistema de promoção e proteção dos direitos da criança português é composto por diversos subsistemas, entre eles o da promoção e proteção, no qual se inclui a atividade das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) que está enquadrada na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, cuja matriz é a aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990.
Lamentavelmente, por vezes, as famílias e os pais falham, alguns sem querer, outros porque não sabem. Para dar amor é preciso ter recebido, ainda que esse acolhimento caloroso de que se precisa, possa ser de outro cuidador que não o pai, a mãe ou outro elemento da família. O requisito, como nos afirma Bronfenbrenneré o de que a criança tenha pelo menos um adulto que seja louco por ela, isto é, que a ame incondicionalmente e que lhe dedique todo o cuidado e a proteção necessária. E é neste quadro, quando há violação de algum direito fundamental da criança, que há lugar à ação das CPCJ.
Este trabalho não é fácil e contém desafios que podem pôr em risco os próprios profissionais. A sua responsabilidade técnica, humana e solidária merece da sociedade portuguesa o devido reconhecimento, sobretudo pelo impacto que este verdadeiro serviço público implica, não só traduzido em disponibilidade temporal, mas sobretudo pela abertura e gestão emocional que exige, já que se confrontam com a necessidade de tomar decisões críticas, tantas vezes num cenário de risco para a vida da criança.
Por essa razão, as CPCJ precisam de ter profissionais que, para além de possuírem uma preparação técnico-científica sólida, possuam uma capacidade empática de alto nível. Profissionais a quem não falte a qualidade na presença, na disponibilidade de escutar, compreender, comunicar e de partilhar confiança. Sem essa literacia emocional, todos os esforços para inspirar mudança nas famílias, serão em vão.
Podemos dizer que a essencialidade da missão das CPCJ não passa por resolver problemas e corrigir erros, mas por colocar em evidência a competência das famílias, ativando a sua participação na resolução dos problemas. Partindo da compreensão da complexidade do problema dos maus tratos, o trabalho das CPCJ testemunha o diálogo que se constrói e desenvolve com a criança/ jovem, a sua família e a sua comunidade, ajudando a (re) estabelecer pontes entre os diversos sistemas, numa lógica de intervenção em rede.
É neste contexto que a ética do cuidado se reveste da máxima importância na intervenção com as famílias, só podendo ser frutuosa se estiver ancorada na dinâmica da hospitalidade: ser capaz de estar junto e apoiar quem sofre, ajudar a restabelecer o seu mundo, ser transportador de esperança…
É neste contexto que a ética do cuidado se reveste da máxima importância na intervenção com as famílias, só podendo ser frutuosa se estiver ancorada na dinâmica da hospitalidade: ser capaz de estar junto e apoiar quem sofre, ajudar a restabelecer o seu mundo, ser transportador de esperança… Como nos diz Armando Leandro “diminuir o sofrimento do outro é um dever ético” e esse cuidado emerge quando o outro ganha importância no nosso coração.
Para alcançarmos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a Agenda 2030, que foram adotados por quase todos os países do mundo, a concretização dos direitos da Criança é ainda, na atualidade, um desafio gigante que exige de cada um de nós uma atividade solidária e de cooperação na procura de respostas reparadoras e de prevenção. São necessárias intervenções integradas e sistémicas, onde o apoio às famílias inclua a dimensão da saúde, da educação, da segurança social, da cultura, do ambiente e da economia. A par, precisamos de políticas de apoio à família que corrijam as desigualdades desde os primeiros anos de vida e que minimizem a desvantagem das crianças que estão inseridas em famílias pobres ou que vivam em contexto de outras vulnerabilidades, nomeadamente ao nível da saúde mental/ psicológica.
Podemos dizer que a mensagem do Papa Francisco toca a todos. De algum modo, todo o ser-humano é portador de uma condição de pobreza, ora porque padece do que é essencial para a sua vida, ora por ser insuficiente para mudar a condição de vulnerabilidade do outro. Numa visão de incompletude, enquanto viajantes num caminho sempre em construção, todos padecemos de alguma falta. Nesse entendimento, o convite do Papa Francisco é o de nos aproximarmos, o de ficarmos próximos do outro, o de o conhecermos para ficarmos iguais a ele. Na radicalidade do ser-pessoa, não existe eu sem o outro, o outro é quem nos dá espelho, é quem nos faz ser. Só somos através da relação e é nessa geografia humana da interdependência, que podemos construir uma cultura que previna a indiferença e a apatia e concretizar uma verdadeira cultura da infância, onde toda a comunidade esteja comprometida.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.