Nunca estudei latim ou grego e na minha juventude poria em último lugar uma opção pelo curso de “clássicas”. Destarte, quem diria que, passado uns anos, eu me apaixonaria pelas etimologias? É verdade, ganhei gosto em ir às origens, em perscrutar o genuíno significado das coisas.
Tudo isto a propósito de «educar» – uma palavra tão sublime que até exige duas raízes: educere e educare. Confesso que me fascinei pela primeira – educere. O que ela significa – “tirar de dentro”, “fazer sair”, “extrair” – desconstrói (e contraria) ideias e hábitos amplamente difundidos e vividos quer por pais, quer por professores[1].
Olhemos a natureza (que tanto nos ensina!). Olhemos a semente que o jardineiro com muito cuidado põe na terra. Ele não a ensina a crescer, mas cria condições para tal: fertiliza a terra, proporciona-lhe luz, rega, retira ervas daninhas, monda, poda, “anda à volta, alimenta”(educare) para acompanhar bem o crescimento. Mas o autor do crescimento é a própria semente, pois ela encerra tudo o que necessita.
Neste quadro – infelizmente desconhecido para a maioria das pessoas – cabe ao educador estar atento e tudo fazer para que desabrochem e se desenvolvam equilibradamente as (muitas) capacidades (e dimensões) que os nossos filhos e os nossos alunos encerram desde o nascimento. Numa simbiose perfeita, educere e educare completam-se: se um “faz sair de dentro”, o outro convoca-nos para andarmos à volta, cuidarmos, mas sem atrofiar, sem abafar, sem condicionar.
Neste quadro, cabe ao educador criar “ambientes de crescimento” alimentados pelo amor, pelo estímulo, pelo ânimo, pela confiança, pela segurança emocional, que levem o educando a sentir uma enorme satisfação por fazer as coisas por si próprio. Pelo meio ficam as brincadeiras (sobretudo no caso dos filhos), os contextos de aprendizagem que fazem apelo à autonomia, à responsabilidade, à criatividade, ao espírito crítico, à interação entre pares. Mas pelo meio terão de ficar – igualmente – a organização, a disciplina, as regras, as exigências.
Olhemos agora com alguma atenção para a realidade. Às tantas fazemos precisamente o contrário…
A maioria dos pais, por amor, e relativamente aos filhos, moldam-nos à maneira deles, super protegem, evitam as dificuldades e fomentam o facilitismo, dão-lhes sempre razão (desautorizando a escola), estudam com eles (e até por eles), dão-lhes comida triturada, não toleram o erro e não os deixam assumir riscos[2].
Por seu lado, a maioria dos professores, por mais pedagogias ou decretos-lei que fomentem a “verdadeira educação”, teimam em transmitir/ reproduzir conhecimentos, ademais de forma passiva, fazendo o oposto de educar, ou seja “instruir” (que etimologicamente significa “pôr para dentro”, “amontoar”)[3].
Como tudo seria bem diferente se os pais soubessem ter tempo para olhar os filhos, para sorrir, para brincar (pelo menos 10 minutos por dia!), para dialogar, para rezar, para exigir responsabilidades (“castigando”, se necessário), para educar para a responsabilidade (desde pequenos, executarem tarefas simples (…), para educar para as contrariedades (…) para educar para a austeridade (…) E soubessem dar um bom testemunho de vida!
Como tudo seria bem diferente se os pais soubessem ter tempo para olhar os filhos, para sorrir, para brincar (pelo menos 10 minutos por dia!), para dialogar, para rezar, para exigir responsabilidades (“castigando”, se necessário), para educar para a responsabilidade (desde pequenos, executarem tarefas simples, tais como vestirem-se e arrumarem a sua roupa, fazer a cama, pôr a mesa, limpar o pó, pôr louça na máquina, organizarem as matérias, transportarem a mochila, virem sozinhos para as aulas,…), para educar para as contrariedades[4] (comer comida e fazer tarefas que não gostam, receberem “nãos”, …), para educar para a austeridade (evitando desperdícios, porque a vida não está para brincadeiras…)! E soubessem dar um bom testemunho de vida!
Como tudo seria bem diferente se os professores “amassem” os alunos, soubessem “criar laços”, ser simpáticos e empáticos, soubessem promover nos alunos o desejo de “saber” (mas para termos alunos apaixonados pelo conhecimento temos que ter mestres apaixonados pelo seu trabalho…).
Como seria bem diferente se os professores, na esteira do Papa Francisco, dissessem com “enTHEOSiasmo” (= ter Deus dentro de si): “eu amo a escola”[5]!
Neste contexto de educere/ educare como seria bom que todos os educadores procurassem converter a criança, o adolescente, o jovem no (principal) protagonista do seu crescimento!
Para terminar “em beleza”, olhemos como Deus nos “educa” verdadeiramente: criou-nos por Amor; nunca nos abandonou, dando-nos os profetas, o Seu Filho, a Igreja, o Seu Espírito, a Sua Palavra; não impõe, mas propõe; deu-nos o mundo incompleto, a fim de colaborarmos com Ele na obra da criação, potenciando os nossos talentos; perdoa-nos, pedindo só uma coisa em troca – conversão de vida; promete-nos a vida eterna, a felicidade plena. E deu-nos a liberdade.
[1] A este respeito, como gosto desta definição de Bento XVI: «A educação é a aventura mais fascinante e difícil da vida. Educar – na sua etimologia latina educere – significa conduzir para fora de si mesmo ao encontro da realidade, rumo a uma plenitude que faz crescer a pessoa» (Mensagem de Bento XVI para a celebração do XIV Dia mundial da paz 1/1/ 2012, n.º 2).
[2] Diz o Papa Francisco a este respeito: «Um educador que não sabe arriscar, não serve para educar. Um pai e uma mãe que não sabem arriscar, não educam bem o filho. (…) O verdadeiro educador deve ser um mestre de risco, mas de risco razoável, é claro» (Discurso do Papa Francisco aos participantes no congresso mundial promovido pela Sagrada Congregação para a Educação Católica com o tema “Educar hoje e amanhã. Uma paixão que se renova“.Vaticano, 21/11/2015.)
[3] Diz Thomas More, a este respeito: “A educação não é a acumulação de aprendizagem, informação, dados, factos, competências ou habilidades – isso é treino ou instrução – mas é antes tornar visível o que está escondido como numa semente”.
[4] A este respeito, como vem a propósito estas referências do psicólogo Eduardo Sá: «As pequenas dores fazem bem ao crescimento. Educam para alguma imunidade ao sofrimento.(…) Uma sociedade que confunde a ausência da dor com o prazer não é amiga da humanidade (…) nem da bondade. É mais amiga do mal do que do bem» (Revista Expresso de 24/11/2012).
[5]…E fizessem crescer «as três línguas que uma pessoa madura deve saber falar: a língua da mente, a língua do coração, a língua das mãos» (Papa Francisco, 10/5/2014).
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.