1. Como mel para a boca
O profeta Elias deu o seu nome a gerações de outros Elias. Patrick Bruel compôs uma canção intitulada Élie. Coincidência? Provavelmente não… ♪ ♫
2. Um texto bíblico
Tendo chegado ao Horeb, Elias passou a noite numa caverna, onde lhe foi dirigida a palavra do Senhor:
– Que fazes aí, Elias?»
Ele respondeu:
– Estou a arder de zelo pelo Senhor, o Deus do universo, porque os filhos de Israel abandonaram a tua aliança, derrubaram os teus altares e assassinaram os teus profetas. Só eu escapei; mas também a mim me querem matar!
O Senhor disse-lhe então:
– Sai e mantém-te neste monte, na presença do Senhor; eis que o Senhor vai passar.
Nesse momento, passou diante do Senhor um vento impetuoso e violento, que fendia as montanhas e quebrava os rochedos diante do Senhor; mas o Senhor não se encontrava no vento. Depois do vento, tremeu a terra. Passou o tremor de terra e ateou-se um fogo; mas nem no fogo se encontrava o Senhor. Depois do fogo, ouviu-se o som de um suave silêncio.
Ao ouvi-lo, Elias cobriu o rosto com um manto, saiu e pôs-se à entrada da caverna. Disse-lhe, então, uma voz:
– Que fazes aqui, Elias?
Ele respondeu:
– Ardo em zelo pelo Senhor, Deus do universo, porque os filhos de Israel abandonaram a tua aliança, derrubaram os teus altares e mataram os teus profetas. Só eu escapei; mas agora também me querem matar a mim.
O Senhor disse-lhe:
– Vai e volta pelo caminho do deserto, em direcção a Damasco e, chegando lá, hás-de ungir Hazael como rei da Síria.
Primeiro Livro dos Reis 19,9-15
3. O esclarecimento
| UM SILÊNCIO CENTRAL |
O relato do episódio de Elias no monte Horeb surpreende pelas repetições que contém. Porque é que Deus coloca a mesma questão, por duas vezes, a Elias e porque é que este responde exatamente da mesma forma, também por duas vezes?
Os autores da Bíblia não tinham programas de tratamento de texto como o Word nem a possibilidade de usar negrito, itálico ou sublinhar as passagens sobre os quais desejavam atrair a nossa atenção. Orientam, no entanto, a nossa leitura estruturando, com habilidade, o seu texto.
No relato que aqui nos interessa, encontramos duas vezes a mesma sequência de eventos contada com as mesmas palavras:
- Elias entra (v. 9a) e sai (v. 13a) da gruta;
- Deus pergunta-lhe uma vez (v. 9b) e uma segunda vez (v. 13b) o que está ali a fazer;
- Elias dá, por duas vezes (v. 10 e v. 14), exactamente a mesma resposta;
- Deus dá-lhe uma ordem, no início (v. 11a), e uma missão, no fim (v. 15).
Estas duas sequências formam dois painéis que enquadram e, portanto, metem em valor a mensagem central do texto, sobre a qual os autores querem dirigir a nossa atenção: a manifestação/revelação de Deus.
| A RETER |
Chamamos a este procedimento um “quiasmo” – da grego khiasmos, que significa “disposição em cruz”, proveniente da letra grega X (khi), em forma de cruz. Esta maneira de dar ênfase a uma passagem particular ajuda também à sua memorização. Assim se consegue o mesmo efeito, sem ter de utilizar negritos ou itálicos, ou pôr as letras a vermelho e a piscar! E a mensagem tem ainda o mérito de ser clara: Deus revela-se no silêncio!
4. E ainda uma palavra final…
Para terminar, a belíssima exortação ao silêncio de um bispo e asceta de Nínive, do séc. VII:
«Ama o silêncio mais que tudo. Porque ele te fará dar fruto. A língua é incapaz de o explicar. Esforcemo-nos primeiro por nos calarmos. É pelo silêncio nascerá em nós aquilo que aí nos conduzirá. Se procederes desta forma, não saberia descrever a luz que sobre ti se levantará. Grande é o homem que, na paciência dos seus membros, se habituou maravilhosamente a não estar senão no interior da sua alma.»
Isaac, o Sírio
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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