O Ponto SJ esteve no Algarve no dia 5 de fevereiro para conversar sobre desigualdades sociais, a propósito do Ponto de Cruz, a iniciativa que, em tempo de eleições, quer ajudar a sonhar um País para todos. Esta conversa que decorreu na Paróquia de Nossa Senhora do Amparo, Portimão, contou com a presença de Mariana Piteira Santos, presidente d direção da Equipa Sócio Caritativa da paróquia de S. Pedro, em Faro, e também ligada à Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE).
Ponto SJ: A paróquia trabalha numa zona urbana, com os seus desafios próprios. Qual a realidade social que mais a preocupa neste momento? Que retrato faz da situação de vida das famílias nos dias de hoje e concretamente dos imigrantes que estão no Algarve? Quais as principais dificuldades das famílias com as quais lidam enfrentam?
No trabalho da pastoral sócio-caritativa que desenvolvemos na paróquia de S. Pedro – Faro, há cerca de 26 anos, temo-nos deparado com realidades muito distintas. Em primeiro lugar, pedidos de idosos que auferem reformas muito baixas, fruto da pouca escolaridade, dos serviços onde desenvolveram a sua atividade e, consequentemente, uma fraca carreira contributiva para a segurança social. Estas pessoas necessitam de um apoio continuado ao longo da vida e sobretudo da nossa proximidade, do nosso olhar e ouvidos atentos para as situações que mais as afligem. Estes idosos muitas vezes são vítimas das situações colaterais criadas pelos filhos que entraram no mundo da toxicodependência. Esta realidade, infelizmente, tem alguma predominância na nossa região e na nossa cidade e torna a vida destes idosos ainda mais precária e sombria.
Depois temos famílias que estão no ativo, mas que auferem salários baixos, tendo a sua situação económica sido muito agravada pela inflação, pelo aumento do custo de vida com particular incidência no crédito à habitação e as rendas de casa. Dentro deste grupo destacam-se, pela negativa, aqueles agregados familiares, em que um dos elementos perde o emprego e há filhos menores para sustentar. Aqui há situações verdadeiramente complicadas. Dificuldades imensas para cumprir os seus compromissos, desde a renda da casa, ao pagamento da água e luz, às despesas com a saúde e o sustento da família.
Outro grupo é o dos imigrantes. Estas pessoas têm sido de grande importância para o nosso país e, concretamente, no Algarve, onde a falta de mão-de-obra se tem feito sentir em muitas atividades, nomeadamente na hotelaria/restauração, construção civil, agricultura, etc.. Os que conseguem trabalho, integram-se bem, são diligentes, cumpridores (como tenho podido confirmar na minha atividade profissional). A nossa ajuda, nalguns destes casos, tem sido importante no sentido de lhes proporcionar condições para que possam ter uma vida digna e sentirem-se bem acolhidos (refiro-me por exemplo às ajudas no equipamento das casas). Os problemas agudizam-se quando ficam desempregados e neste momento esta situação tem-se vindo a agravar. Perdem rendimento, perdem o alojamento precário, muitas vezes partilhado com muitos outros compatriotas, e passam a viver em edifícios abandonados ou em viaturas. A estes falta-lhes tudo: tecto, alimentação, vestuário.
A nossa ajuda é verdadeiramente uma gota de água no oceano, mas como a santa Teresa de Calcutá dizia, se o não fizéssemos, ao oceano faltar-lhe-ia essa gota.
Contudo, sendo uma estrutura de voluntariado, somos confrontados com os problemas inerentes, que são ultrapassados graças ao rigor, disciplina e ao empenhamento e dedicação do grupo de voluntárias. Como católicos, não podemos ficar indiferentes a esta realidade. Sendo que muitas das pessoas que atendemos professam outras religiões, esta é também uma forma de darmos o nosso contributo para o ecumenismo de proximidade a partir das bases. Muitos dos imigrantes não falam a nossa língua e então comunicamos ou em francês, ou inglês, respeitando também os seus requisitos em termos alimentares, tudo no sentido de nos fazermos um com todos.
Outro grupo é o dos imigrantes. Estas pessoas têm sido de grande importância para o nosso país e, concretamente, no Algarve, onde a falta de mão-de-obra se tem feito sentir em muitas atividades, nomeadamente na hotelaria/restauração, construção civil, agricultura, etc.. Os que conseguem trabalho, integram-se bem, são diligentes, cumpridores.
O Papa Francisco, na mensagem para a Quaresma deste ano faz duas perguntas: o grito dos nossos irmãos oprimidos mexe connosco? Comove-nos? São palavras fortes que nos obrigam a não fechar os olhos a tantas situações de injustiça com que nos confrontamos diariamente.
2 – Como vê que a aplicação dos princípios da Doutrina Social da Igreja – por exemplo o da subsidiariedade e o da solidariedade – tem ajudado a minimizar os problemas das pessoas?
Os princípios da subsidiariedade e da solidariedade têm tido uma aplicação muito concreta e muito palpável no nosso trabalho com as famílias mais carenciadas que procuram a nossa ajuda. Quando o Banco Alimentar contra a Fome iniciou o seu trabalho há cerca de 17 anos aqui no Algarve, nós fomos das primeiras instituições a assinar o protocolo com aquele organismo, que se tem revelado da maior importância para ajudar a colmatar as falhas de géneros alimentares para compor os cabazes mensais que fornecemos às famílias. Esta ajuda tem vindo a melhorar, com o maior predomínio da entrega dos bens frescos, nomeadamente fruta, hortícolas e outros, o que é particularmente importante para melhorar a alimentação tanto dos adultos como das crianças. Porque temos proximidade às situações concretas das famílias, é-nos possível fazer uma distribuição mais justa, de acordo com a composição e as necessidades de cada agregado familiar. Também a colaboração recebida de algumas escolas, da restauração e da comunidade em geral têm-se revelado de primordial importância, para ajudar a reduzir as carências.
Saliento também a atenção que damos aos problemas que nos são colocados e que, na medida do possível, ajudamos a resolver; nomeadamente às situações iminentes de corte de energia elétrica, ao pagamento de medicamentos e consultas, etc. . São situações de grande angústia para quem vive essas dificuldades.
Seguindo o conselho do Papa Francisco, tentamos sempre ouvir com os ouvidos e escutar com o coração.
Quando os problemas exigem resolução a um nível superior, nomeadamente do Estado, fazemos de porta-voz. Temos tido situações diversas a nível de saúde, e habitação. Ainda recentemente levámos ao conhecimento da autarquia uma situação de ordem de despejo de uma idosa com graves problemas de saúde no agregado familiar. Estamos esperançados numa solução para este caso, que ajude esta família a viver com dignidade.
Também gostaria de referir que tem havido uma maior sensibilidade do poder local, nomeadamente da Junta de Freguesia para o nosso trabalho, que se tem revelado muito proveitosa no apoio logístico que nos é facultado em diversas situações, desde a recolha de alimentos, aos bens doados. O contributo recebido através do Orçamento Participativo da Junta de Freguesia, na sequência do concurso público que ganhámos, também foi muito importante para a ampliação e modernização das instalações do refeitório, onde se efetua o trabalho de apoio aos mais carenciados.
Realço novamente que o envolvimento da comunidade de S. Pedro e a sua generosidade tem sido, para nós, muito gratificante. Afinal a pergunta do Evangelho a que o Papa Francisco se refere: “onde está o teu irmão?”, interpela-nos a todos e não só à equipa sócio-caritativa.
Quando os problemas exigem resolução a um nível superior, nomeadamente do Estado, fazemos de porta-voz. Temos tido situações diversas a nível de saúde, e habitação.
3 – No que diz respeito ao agir, não podendo falar de todos os problemas sociais concretos que se vivem, que medidas concretas e novas destacaria ou que estão a ensaiar para resolver os problemas das pessoas?
O Algarve vive problemas económicos e sociais graves, alguns comuns ao resto do País, mas destacaria um que na nossa região se reveste de uma acuidade particular, que é o problema da habitação. Na nossa opinião, é fundamental que haja um maior investimento público em habitação com rendas acessíveis às camadas da população com menores recursos, tanto portugueses, como imigrantes que para aqui vêm trabalhar e nos são tão necessários, para que se sintam perfeitamente integrados e acolhidos.
Não nos podemos esquecer que a paz não é só a ausência de guerra, mas a criação dum ambiente pacífico que se constrói dia a dia com diálogo e as medidas sociais adequadas à resolução dos problemas das pessoas. Temos conhecimento que nas periferias da cidade de Faro alguma coisa está a ser feita nesse sentido, mas muito mais será necessário. Temos consciência de que o problema é complexo e a solução não é tão rápida como gostaríamos.
Há que tomar consciência do momento difícil que o País atravessa e aproveitar este período eleitoral para refletir sobre as propostas dos diversos partidos e pedir aos políticos que falem verdade, apresentando propostas exequíveis que possam melhorar efetivamente as condições de vida das pessoas.
É imperioso fazer renascer a confiança e a esperança num futuro melhor.
Se me é permitido, aos jovens eu gostaria de dizer que, sendo eles os protagonistas do futuro, não deixem que outros decidam por eles e acreditem que nem sempre as narrativas mais apelativas são as que servem melhor o bem comum. Como o Papa Francisco diz: “não deixeis que vos roubem a esperança”. Temos de manter e alimentar a nossa esperança, juntos trabalhando para que haja paz, justiça e fraternidade entre todos.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.