Celebramos hoje a memória litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes (França). Em 1992, o então Papa João Paulo II instituía neste dia 11 de fevereiro o Dia Mundial do Doente, lembrando que é parte integrante da missão da Igreja, a partir do exemplo de Cristo, servir os enfermos e todos os que sofrem.
Quase três décadas passadas, a Covid-19 veio revelar a nossa vulnerabilidade. Um minúsculo vírus transformou as nossas vidas e, ainda que comecem a ser disponibilizadas as tão desejadas vacinas, é ainda muito incerto quando terminará esta pandemia. Os números são surpreendentes: à data desta redação foram contaminadas 106 902 907 pessoas em todo o mundo (770 502 casos registados em Portugal), com 2 341 004 mortes contabilizadas (14 557 no nosso país). As últimas notícias apontam para novas estirpes do vírus mais contagiosas, a provocar casos mais graves, com internamentos hospitalares em idades mais novas.
É neste cenário que somos convidados a ler e a meditar na mensagem do Papa Francisco para o XXIX Dia Mundial do Doente. O Papa inspira-se na passagem bíblica em que Jesus critica a hipocrisia de quantos afirmam com facilidade os preceitos da lei de Deus, mas depois não são coerentes no agir, nomeadamente com os mais frágeis (cf. Mt 23, 1-12). «Quando a fé fica reduzida a exercícios verbais estéreis, sem se envolver na história e nas necessidades do outro, então falha a coerência entre o credo professado e a vida real».
Na doença, fazemos a experiência da incerteza e do temor, encontrando a impotência de nos curarmos sozinhos. A doença questiona-nos sobre o sentido da vida e deita por terra a absolutização da saúde que julgamos nunca perder.
O relato da criação, que temos vindo a ler na primeira leitura das missas desta V.ª Semana do Tempo Comum, recorda-nos que somos criaturas e não o Criador. Somos criados à imagem e semelhança de Deus (cf. Gen 1, 26) numa humanidade frágil e vulnerável. Na doença, fazemos a experiência da incerteza e do temor, encontrando a impotência de nos curarmos sozinhos. A doença questiona-nos sobre o sentido da vida e deita por terra a absolutização da saúde que julgamos nunca perder. Veja-se o exemplo de Job, um homem justo e piedoso que vê a vida transformada em sofrimento. Por uma desgraça inesperada, fica privado da família, dos amigos, dos bens que construiu e até do sentido da sua própria vida. O sofrimento é tanto que diz, como ouvíamos na primeira leitura do domingo passado: «Os meus dias passam sem esperança, os meus olhos nunca mais verão a felicidade» (Job 7, 7). É precisamente através da fragilidade extrema, num caminho da sinceridade para com Deus e os outros, que Job faz chegar o seu grito até Deus, lembra o Papa Francisco. O lamento de Job podia ser o de muitas pessoas de hoje: doentes de covid, famílias de luto, desempregados. A doença torna mais nítida a nossa condição de criaturas, fazendo-nos experimentar de maneira evidente a dependência de Deus. Quantas vezes, uma doença imprevista abre a uma nova compreensão da fé, potenciando uma redescoberta da relação pessoal com Jesus e o regresso à vida sacramental na Igreja.
A experiência da doença torna sensível a condição humana de vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, a necessidade natural do outro. Dependemos uns dos outros e estamos implicados na vida daqueles que nos são mais próximos. Se um familiar ou amigo está doente, sofremos todos com ele e sentimos a proximidade dos laços de afeto de uma forma mais interior. Por isso, «a doença tem sempre um rosto, e até mais do que um: o rosto de todas as pessoas doentes, mesmo daquelas que se sentem ignoradas, excluídas, vítimas de injustiças sociais que lhes negam direitos essenciais». Os números de infetados, de internados e de mortes, não nos podem fazer esquecer que – por detrás de cada um deles – estão pessoas concretas, frágeis, por vezes desamparadas e em grande solidão.
Deus oferece ao homem projetos de vida, não de morte, mesmo que o caminhar na terra não seja sempre sereno e se vivam momentos de doença. O fruto do encontro com Jesus é vida com sentido, mesmo na fragilidade.
É preciso imitar os gestos de Jesus diante dos doentes. A Sua pregação é universal e torna mais leve o peso da vida das pessoas. Os milagres de Jesus tornam-se sinais de que o Reino de Deus já chegou, são gestos que anunciam a felicidade ao alcance de todos: cura a sogra de Simão Pedro, dos leprosos, dos paralíticos, dos doentes que encontra pelos caminhos e estão excluídos da comunidade. Em todos eles, está representada a humanidade que sofre, privada de vida pela injustiça e pelo egoísmo, marcada pela dor da doença da exclusão e da indiferença. Jesus aproxima-se sem temor, toma pela mão, toca e alivia a dor. A proximidade e a relação tornam-se a forma de Jesus curar os doentes. Assim, diz o Papa Francisco que «a proximidade é um bálsamo precioso, que dá apoio e consolação a quem sofre na doença». A terapia começa com o aspeto relacional, quando se vai ao seu encontro:
«A pandemia destacou também a dedicação e generosidade de profissionais de saúde, voluntários, trabalhadores e trabalhadoras, sacerdotes, religiosos e religiosas: com profissionalismo, abnegação, sentido de responsabilidade e amor ao próximo, ajudaram, trataram, confortaram e serviram tantos doentes e os seus familiares. Uma série silenciosa de homens e mulheres que optaram por fixar aqueles rostos, ocupando-se das feridas de pacientes que sentiam como próximo em virtude da pertença comum à família humana.»
Deus oferece ao homem projetos de vida, não de morte, mesmo que o caminhar na terra não seja sempre sereno e se vivam momentos de doença. O fruto do encontro com Jesus é vida com sentido, mesmo na fragilidade. E, na vulnerabilidade, brotam experiências de vida colocada ao serviço dos outros. Neste Dia Mundial do Doente, peçamos à Virgem de Lourdes que nos torne mais próximos de quem está doente, como fazia o Seu Filho, atravessando os números, que nos são deixados nas notícias diárias, para chegarmos aos rostos concretos que nos pedem proximidade e companhia.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.