1. Como mel para a boca
Todos os anos, no dia de Páscoa, os ortodoxos russos cantam “Páscoa nova e santa”, por exemplo, na sublime Igreja da Transfiguração, em Kizhi, uma ilha no lago Oneca, no norte da Rússia.
2. Um texto bíblico
Depois de termos seguido passo a passo a Paixão de Jesus durante a Quaresma, mergulhamos agora nos sete domingos do Tempo Pascal! Veremos como é que os temas da ressurreição e da Páscoa atravessam toda a história bíblica, de facto, toda a história da humanidade.
Começamos hoje com o relato da ressurreição no evangelho segundo São Mateus.
Terminado o sábado, ao romper do primeiro dia da semana, Maria de Magdala e a outra Maria foram visitar o sepulcro. Nisto, houve um grande terramoto: o anjo do Senhor, descendo do Céu, aproximou-se e removeu a pedra, sentando-se sobre ela. O seu aspecto era como o de um relâmpago; e a sua túnica, branca como a neve. Os guardas, com medo dele, puseram-se a tremer e ficaram como mortos. Mas, o anjo tomou a palavra e disse às mulheres:
– “Não tenhais medo. Sei que buscais Jesus, o crucificado; não está aqui, pois ressuscitou, como tinha dito. Vinde, vede o lugar onde jazia e ide depressa dizer aos seus discípulos: ‘Ele ressuscitou dos mortos e vai à vossa frente para a Galileia. Lá o vereis.’ Eis o que tinha para vos dizer.”
Afastando-se rapidamente do sepulcro, cheias de temor e de grande alegria, as mulheres correram a dar a notícia aos discípulos. Jesus saiu ao seu encontro e disse-lhes:
– “Salve!”
Elas aproximaram-se, estreitaram-lhe os pés e prostraram-se diante dele. Jesus disse-lhes:
– “Não temais. Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão.”
Evangelho segundo São Mateus, 28,1-10
3. O esclarecimento
Jesus Cristo existiu verdadeiramente e morreu na cruz. Os historiadores não contestam este facto. Mas, terá verdadeiramente ressuscitado? Esta é a única questão que ocorre a quem lê este relato. Afinal, todos os outros milagres seriam pouca coisa diante deste acontecimento. A questão coloca-se, por isso, a cada ser humano e cada um deve responder-lhe pessoalmente.
O famoso pensador católico francês Jean Guitton, da Academia Francesa, propõe uma interessante reflexão sobre este tema no seu livro Jesus (1956):
“Por mais importante que seja a proclamação da ressurreição, o cristianismo não a difunde. Pelo contrário, pode dizer-se que ele lhe dá, em todos os seus textos, apenas um espaço reduzido. As histórias deste evento tão importante para a fé dão a impressão de ter sido encurtadas de modo desproporcionado! […] O contraste entre a considerável importância do dogma, o interesse que o acontecimento despertou e a brevidade com que os primeiros cristãos se expressaram nos seus textos, dá muito a pensar. A extensão, o exagero, a cor, estão para o ser humano em proporção inversa à certeza íntima. De facto, quando sabemos, para quê alongarmo-nos?”
A constatação de Guitton é justa: no Evangelho segundo São Mateus, enquanto o relato da Paixão se estende por dois longos capítulos, a primeira proclamação da Ressurreição ocupa apenas dez versículos.
Jesus-Cristo é proclamado Deus feito homem. Ele deixou-se condenar e morrer na cruz. Ao morrer na sua humanidade, desce aos infernos onde o ser humano estava encerrado pelo pecado de Adão e Eva.
A ressurreição de Cristo é para os fiéis essa esperança inacreditável: a morte é vencida pela vida, uma vez que Deus liberta a criação do inferno. E o ser humano pode parar “de temer que a sua vida seja uma errância absurda em direção à morte certa.”, na expressão Stig Dagerman, famoso existencialista sueco.*
* Cf. Ensaio A nossa necessidade de consolação não pode ser saciada (1952).
4. E ainda uma palavra final…
Uma lindíssima antiga homilia de Sábado Santo descreve a descida de Cristo aos infernos:
Deus morreu segundo a carne e acordou a região dos mortos. Vai à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Quer visitar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte. Vai libertar Adão do cativeiro da morte, Ele que é ao mesmo tempo seu Deus e seu Filho.
Entrou o Salvador onde eles estavam, levando em suas mãos a arma vitoriosa da cruz. Quando Adão, nosso primeiro pai, O viu, batendo no peito, cheio de admiração, exclamou para todos os demais: “O meu Senhor esteja com todos”. E Cristo respondeu a Adão: “E com o teu espírito”. E tomando-o pela mão, levantou-o dizendo: “Desperta, tu que dormes; levanta-te de entre os mortos e Cristo te iluminará.
Eu sou o teu Deus que por ti Me fiz teu filho, por ti e por estes que nasceram de ti; agora digo e com todo o meu poder ordeno àqueles que estão na prisão: ‘Saí’; e aos que jazem nas trevas: ‘Vinde para a luz’; e aos que dormem: ‘Despertai’.
Eu te ordeno: Desperta, tu que dormes, porque Eu não te criei para que permaneças cativo no reino dos mortos. Levanta-te de entre os mortos; Eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, minha imagem e semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em Mim e Eu em ti, somos um só.
Por ti Eu, teu Deus, Me fiz teu filho; por ti Eu, o Senhor, tomei a tua condição de servo; por ti Eu, que habito no mais alto dos Céus, desci à terra e fui sepultado debaixo da terra; por ti, homem, Me fiz homem sem forças, abandonado entre os mortos; por ti, que saíste do jardim do paraíso, fui entregue aos judeus no jardim e no jardim fui crucificado.
Vê no meu rosto os escarros que por ti suportei, para te restituir o sopro da vida original. Vê no meu rosto as bofetadas que suportei para restaurar à minha semelhança a tua imagem corrompida.
Vê no meu dorso os açoites que suportei, para te livrar do peso dos teus pecados. Vê as minhas mãos fortemente cravadas à árvore da cruz, por ti, que outrora estendeste levianamente as tuas mãos para a árvore do paraíso.
Adormeci na cruz, e a lança penetrou no meu lado, por ti, que adormeceste no paraíso e formaste Eva do teu lado. O meu lado curou a dor do teu lado. O meu sono despertou-te do sono da morte. A minha lança susteve a lança que estava dirigida contra ti.
Levanta-te, vamos daqui. O inimigo expulsou-te da terra do paraíso; Eu, porém, já não te coloco no paraíso, mas no trono celeste. Foste afastado da árvore, símbolo da vida; mas Eu, que sou a vida, estou agora junto de ti. Ordenei aos querubins que te guardassem como servo; agora ordeno aos querubins que te adorem como a Deus, embora não sejas Deus.
Está preparado o trono dos querubins, prontos os mensageiros, construído o tálamo, preparado o banquete, adornadas as moradas e os tabernáculos eternos, abertos os tesouros, preparado para ti desde toda a eternidade o reino dos Céus”.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
Ajude os Frades Dominicanos da École Biblique et Archéologique Française de Jerusalém a difundir a sabedoria e a beleza que nasceram das Escrituras. Obrigado pela sua generosidade e por acreditar no projeto!
Um projeto cultural, destinado ao grande público, da responsabilidade dos Frades Dominicanos da École Biblique et Archéologique Française de Jerusalém.
Sob a direção dos Frades Dominicanos de Jerusalém, mais de 300 investigadores do mundo inteiro estão a desenvolver um trabalho de tradução e anotação das Escrituras, que será oferecido numa plataforma digital que recolherá mais de 3000 anos de tradições judaico-cristãs. Para saber mais, clicar aqui.
PRIXM é o primeiro projecto, destinado ao grande público, fruto deste trabalho. A iniciativa quer estimular a redescoberta dos textos bíblicos e dar a conhecer tudo o que de bom e belo a Bíblia inspirou ao longo dos séculos e até aos nossos dias.