Começo pelo supérfluo: sou ateu, apesar de ter tido uma educação religiosa (costumo dizer, na verdade, que sou ateu porque tive uma educação religiosa). Mas a minha descrença não se fica pela existência de Deus. Sou acima de tudo um descrente no Homem. Na capacidade de a humanidade, como um todo, se juntar para resolver um problema comum.
As alterações climáticas são uma inevitabilidade. Realisticamente, não há nada que possamos fazer, neste momento, para nos desviarmos do rumo que está a ser traçado. Gostaria imenso de acreditar que está nas nossas mãos (como gostaria imenso de conseguir acreditar em Deus, coisa que me resolveria o medo da morte), mas as evidências mostram-me o contrário.
Não. Só grandes passos conseguiriam amenizar os dias negros que aí vêm. Passos impopulares ou que implicariam um grau de sacrifício que poucos de nós estariam dispostos a dar.
Querem convencer-nos que trocando palhinhas de plástico por palhinhas de bambu fazemos a diferença, como se gestos tão fáceis e insignificantes alguma vez tivessem mudado o mundo. Que o segredo é tomar duches de cinco minutos em vez de seis, esquecendo que as perdas de água urbanas, devido às condutas obsoletas, chegam a atingir os 30 por cento. Que basta irmos às compras com um saco de pano, ignorando que a produção desse saco tem uma pegada ecológica de tal ordem que teríamos de o usar 7 mil vezes para compensar, face a um saco de plástico.
Não. Só grandes passos conseguiriam amenizar os dias negros que aí vêm. Passos impopulares ou que implicariam um grau de sacrifício que poucos de nós estariam dispostos a dar. A transição energética, para acabarmos com a queima de combustíveis fósseis, não é possível a médio prazo sem energia nuclear – mas não há um único político a defender tal medida em público. Os cientistas garantem que os organismos geneticamente modificados têm um potencial enorme para minimizar problemas associados às mudanças do clima, tornando, por exemplo, certas culturas mais resistentes às secas – mas os ambientalistas continuam a convencer as pessoas de que a ciência genética é o diabo na Terra. Há uma relação quase direta entre a riqueza de um país e suas as emissões de gases com efeito de estufa – mas não é costume alguém advogar tornarmo-nos pobres como solução para salvar o planeta.
Os pobres. São eles que nos devem preocupar, porque são eles que vão sofrer com os efeitos das alterações climáticas. Podemos e devemos continuar a pensar no ambiente no nosso dia a dia, mas não tenhamos ilusões: não vamos conseguir evitar consequências profundas no planeta, desde a subida do nível do mar ao aumento da intensidade de fenómenos climáticos extremos, como secas prolongadas, tempestades violentas e ondas de calor ou de frio. E essas são consequências que vão afetar desproporcionalmente os mais pobres. Os pobres do Bangladesh, que tem dois terços do seu território a menos de cinco metros acima da linha do mar. Os pobres da África subsariana, onde quem vive nas aldeias está à mercê do mais pequeno acesso de fúria da natureza (como se viu recentemente em Moçambique). Os pobres portugueses, muitos deles idosos, particularmente frágeis, que não têm casas com aquecimento nem ar condicionado. Casas muitas vezes no meio de florestas semiabandonadas, barris de pólvora para incêndios.
Vamos precisar que todos os cristãos estejam atentos. Que se organizem em tempos de crise. Que saibam quem são e onde estão os mais vulneráveis.
Não preciso de ser crente para valorizar a compaixão que move muitos cristãos nas suas vidas. E precisamos dessa compaixão. Vamos precisar dela mais que nunca. Vamos precisar que todos os cristãos estejam atentos. Que se organizem em tempos de crise. Que saibam quem são e onde estão os mais vulneráveis. Há uma onda de calor? Conheçam os vossos vizinhos que vivem em condições mais precárias e abram a porta de vossa casa ou levem-nos para um local fresco. Há uma inundação, dentro ou fora das nossas fronteiras? Procurem saber quais são as necessidades das pessoas afetadas e estabeleçam rapidamente programas de ajuda (poucas organizações o fazem tão bem como as cristãs). E preparem-se, estejam sempre preparados, porque tragédias relacionadas com o clima vão acontecer mais vezes, e serão cada vez mais violentas.
Não é uma questão de caridade. Na minha interpretação, a caridade pressupõe um estado permanente de dependência, e a pobreza deve ser sempre um estado passageiro. É uma questão de humanidade. De se ser humano.
De se ser cristão.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.