Estamos hoje a meio caminho daquela que dizemos ser a “derradeira COP”. Em Glasgow, líderes mundiais, cientistas, ativistas, empresários e organizações da sociedade civil juntam-se para debater o futuro do nosso planeta e, esperamos, tomar medidas concretas para travar o avassalador aquecimento global que tem vindo a destruir habitats e pessoas.
Cansados de saber as consequências das alterações climáticas, a que temos vindo a assistir nas últimas décadas, e que pela primeira vez na história estão a provocar crises de fome, como é o caso do Madagáscar, e fartos de saber a insustentabilidade do atual modelo económico, a inação política a nível global face a um dos maiores desafios da humanidade do século XXI é verdadeiramente assustadora.
Quando em 2015, na COP21, se firmou o Acordo de Paris, assinado por 196 países, acordou-se que cada país signatário iria apresentar as suas metas climáticas com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC face à era anterior à Revolução Industrial. As chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs na sigla inglesa) comprometem-se a esforços evidentes de mitigação das alterações climáticas e contam ser revistas a cada 5 anos. A situação pandémica obrigou ao cancelamento da COP em 2020 e, com isso, empurrou a revisão e eventual restruturação das NDCs para 2021. Estávamos a três dias da COP26 e mais de um terço dos países signatários do Acordo de Paris não tinha entregue as suas contribuições. Dias após o começo da Conferência o próprio Secretário-Geral da ONU, António Guterres, considerava os compromissos dos países um “caminho para o desastre”, já que, com as NDCs apresentadas os cientistas apontavam para um aumento do aquecimento da Terra de 2,7ºC.
Dias após o começo da Conferência o próprio Secretário-Geral da ONU, António Guterres, considerava os compromissos dos países um “caminho para o desastre”, já que, com as NDCs apresentadas os cientistas apontavam para um aumento do aquecimento da Terra de 2,7ºC..
Hoje, a meio caminho da COP26, a tensão entre a esperança e a inquietação permanece, mas algum caminho aparenta estar a ser feito: 20 países assinaram um acordo para acabar com o financiamento a combustíveis fósseis; outro acordo foi firmado para terminar com a desflorestação, no qual, entre os signatários, se conta o Brasil e a China e mais de 40 países se comprometeram a abandonar o carvão, do onde se exclui a China, a Austrália e os Estados Unidos, os países mais dependentes deste combustível fóssil. Entre estas e outras medidas, a Agência Internacional de Energia afirma que os compromissos da COP26 até então podem limitar o aquecimento global a 1,8ºC.
Caso isto se concretize fora do papel, é um avanço, mas não é suficiente.
E porque é que não é suficiente? Em primeiro lugar, porque a distância entre a vontade política (real ou fictícia) e a realização dessa vontade tem-se revelado um verdadeiro abismo. Atentemos ao Acordo de Paris, assinado há seis anos, que surgiu como uma luz ao fundo do túnel, mas que, na verdade, tem assistido ao aumento das temperaturas globais e não à sua diminuição, como era expectável caso se fizesse cumprir. O caso da Gâmbia é bastante ilustrativo do que aqui quero destacar: de entre os quase 200 países que, numa COP, se comprometeram a esforços climáticos sem precedentes, somente a Gâmbia, um país que está longe de ser a causa do asfixiamento terrestre, está efetivamente no caminho para cumprir o Acordo de 2015.
E porque é que não é suficiente? Em primeiro lugar, porque a distância entre a vontade política (real ou fictícia) e a realização dessa vontade tem-se revelado um verdadeiro abismo.
Em segundo lugar, não devemos esquecer que os desafios atuais já não se limitam à mitigação, mas também, e de extrema importância, à adaptação, já que as alterações climáticas não são um problema do futuro, mas uma realidade do presente que já atinge 85% da população mundial, direta ou indiretamente. Esta matéria, que se sintetiza no Mecanismo de Varsóvia sobre Perdas e Danos, estabelecido na COP19 em 2013 e que visa ser revisto e operacionalizado na COP26, evidencia um facto por vezes esquecido ou ignorado: o combate contra as alterações climáticas é uma questão de justiça climática que, no fim, se traduz numa questão de justiça social. O aumento de qualquer décima centígrada significa o aumento da necessidade de adaptação às consequências inevitáveis, com os custos financeiros, humanos e técnicos que isso implica, e está provavelmente reservada aos países mais pobres: aqueles que mais sofrem com esta crise, os que menos a provocam e que menor capacidade têm para dar uma resposta eficaz.
Por fim, que os eventuais avanços alcançados na COP26 não resultem num baixar a guarda por parte da sociedade, mas que os (escassos) esforços políticos exijam dos cidadãos uma ação-pressão insistente e resiliente. Como colaboradora de uma organização da sociedade civil em prol do desenvolvimento sustentável, sinto-me especialmente chamada a isso e é nesse sentido que a todos deixo o convite para participarem na Marcha Global pela Justiça Climática organizada internacionalmente pela COP26 Coalition e que, em Portugal, se vai realizar no domingo dia 7, às 15h em Lisboa/Martim Moniz.
Na Laudato Si’, lançada no épico ano de 2015, o Papa Francisco relembrava-nos que ‘o amor é também civil e político’ e que ‘o amor à sociedade e o compromisso pelo bem comum são uma forma eminente de caridade’ (LS 231). Cabe-nos agora ser testemunhas vivas e ativas dum planeta que chora por si e pelos mais esquecidos.
A autora do texto acompanha a COP26 enquanto colaboradora da FEC – Fundação Fé e Cooperação.
Fotografia – Dean Calma / IAEA – Wikicommons
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.