Num mundo tão marcado pelo acesso abundante de informação, questiono-me: qual o papel da universidade dos dias de hoje? Ou melhor, qual o objetivo de ir a uma universidade com U maiúsculo, acordar cedo, ir às aulas, ouvir os professores, fazer trabalhos – sejam individuais ou em grupo- exames, etc?
Nem precisamos de referir as possibilidades do ensino à distância, que se tornou norma durante a pandemia, para fazermos esta reflexão. Como referi, tendo todos os livros do mundo à distância de um clique, incluindo a bibliografia das cadeiras de todos os cursos de todas as faculdades da Universidade do Porto ( só para mencionar apenas uma instituição que o faz), qual o sentido de alguém se inscrever numa licenciatura se pode fazer um estudo autónomo, se assim o entender[1]?
Porém, este ano, mais alguns milhares de alunos inscreveram-se no concurso de acesso ao Ensino Superior e souberam os resultados das colocações este fim de semana. Para os jovens da minha geração em diante, nascidos a partir de meados dos anos 90, esta notificação pode mudar a vida no tempo que demoramos a ler o e-mail que nos comunica o resultado.
COLOCADO – que pode não ser na primeira opção ou NÃO COLOCADO – significa que não tivemos vaga em nenhuma universidade ou politécnico público do país, tendo, provavelmente de recorrer ao privado, e à carteira. Todo um esforço de, pelo menos, três anos daquela que é das épocas mais conturbadas da nossa vida – a adolescência- resumido nestas palavras COLOCADO ou NÃO COLOCADO. Para quem não entra na primeira opção, ou para os não colocados, isto pode implicar uma mudança de cidade, a procura de alojamento a preços exorbitantes por condições duvidosas, num espaço de 12 ou 24 horas por causa dos prazos da matrícula. Isto tudo por uma questão de décimas arredondadas.
Por isso, para o contingente geral, este sistema de entrada na faculdade é a mera lei económica da oferta e da procura. Assim, os cursos mais difíceis de entrar são aqueles que “estão mais na moda” nas regiões onde toda a gente quer viver e/ou mais populosas, e não forçosamente os mais exigentes a nível académico (nota-se a média do últimos classificados do curso de medicina do ICBAS e da UBI ao longo do tempo)
Era o ano de 2015. Tinha eu 18 anos e estava no After Sun- um encontro organizado pela Pastoral dos Jesuítas dedicado à juventude. Tal como aconteceria em anos posteriores (mas aquele ano foi o primeiro), as colocações saíram 24 horas antes do previsto, no sábado, estava eu no meio do encontro, e não no domingo, quando eu estaria já com a família. E não saíram todos ao mesmo tempo. Por volta do jantar, amigos meus já tinham recebido o resultado nos seus telemóveis. Eu ainda não. Sabia o meu destino, mas, ainda estava com aquela esperança. Talvez este ano, as médias tivessem descido.
A noite foi avançando. Os resultados dos meus amigos começavam a cair nas caixas de correio. Uns festejavam, outros choravam e todas as emoções pelo meio. Estávamos muito ansiosos. Até que, um jesuíta, não me lembro se já era padre ou não, numa palestra planeada, falou da sua própria candidatura à faculdade: não tinha sido colocado. Passou por várias carreiras até encontrar a sua vocação como jesuíta. “E agora sou muito feliz”- disse na altura.
Lembro-me de aquelas palavras me darem uma paz imensa. Podia confiar. Na altura não sabia bem em quê nem como, mas confiava que ia ficar tudo bem e que, independentemente do resultado, ia ser feliz.
Lembro-me de aquelas palavras me darem uma paz imensa. Podia confiar. Na altura não sabia bem em quê nem como, mas confiava que ia ficar tudo bem e que, independentemente do resultado, ia ser feliz.
Não entrei na primeira opção. Olhando para trás, ainda bem que os resultados saíram mais cedo. Quem melhor do que os companheiros de Inácio de Loyola para amparar umas centenas de miúdos cujas vidas acabaram de ser viradas ao contrário? Quem melhor para nos ajudar a lidar com aquele choque que a vida nos deu, do que alguém que tem como “inspiração” aquele que levou com o choque da bala de canhão? Nós estávamos a ser acolhidos na nossa frustração e adversidade por homens cujas vidas também tinham sido drasticamente mudadas por Deus.
Acabei por acolher e me comprometer no curso onde entrara naquela noite: Línguas Literaturas e Culturas. Apesar de ter mudado para a minha primeira opção, Ciências da Comunicação, tal só aconteceu passados cinco anos. Apercebi-me que seria perfeitamente feliz com o “ canudo” que o curso de literatura me daria. O sentimento de paz que tivera enquanto o jesuíta falava naquela noite manteve-se ao longo de todo o meu percurso académico, desde aquela noite até hoje: confia e ficará tudo bem e serás feliz.
[1] Sei que não é aplicável a cursos. Como medicina, por exemplo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.