Cidadania: um caminho a percorrer também na escola

Cidadania e Desenvolvimento poderá ser uma disciplina pela qual, sem esquecer nem anular aquilo que à família diz respeito, a educação humanista tem um pouco mais de direito na escola.

Cidadania e Desenvolvimento poderá ser uma disciplina pela qual, sem esquecer nem anular aquilo que à família diz respeito, a educação humanista tem um pouco mais de direito na escola.

O Ponto SJ lançou o debate sobre o tema da Educação para a Cidadania. Este é um dos artigos que se insere nesta reflexão alargada. Para aceder a este dossier, clique em Ed. Cidadania.

A notícia de que seria professora, a par da disciplina de Matemática A, da de Cidadania e Desenvolvimento de duas turmas de 12.º ano (numa disciplina que foi criada, para o ensino secundário, na minha escola, apenas este ano) chegou ao mesmo tempo que estalou a polémica em torno do tema. A possibilidade e a liberdade que os inícios permitem ficaram, de algum modo, abaladas pelo que lia e ouvia. Mas, ao mesmo tempo, aguçava a ousadia de avançar para algo que pode ser muito bom.

Um lado e outro apresentavam boas razões. Mas talvez lhes tenha faltado um verdadeiro exercício de cidadania para se escutarem e, juntos, fazerem algo maior. Não é isso que nos é pedido diariamente? Entendo que a discussão – se é que se lhe pode chamar isso – tem sido redutora. Reduzir a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento às questões de Género, mesmo sendo um tema de grande relevância, é pouco. Muito pouco.

Uma pergunta importante seria sobre a pertinência de existir uma disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. Não seria de esperar que aquilo que aqui é trabalhado fizesse parte do dia-a-dia de todas as disciplinas? A realidade é que os conteúdos que tenho de leccionar na disciplina de Matemática A se impõem e, várias vezes, aquele tema que parecia surgir e que poderia ser bem interessante ficava abafado por um ‘desculpem, mas temos de avançar na matéria’, parecendo esquecer uma educação humanista de respeito por si mesmo, pelos outros e pelo ambiente. Ou se, por outro lado, lhe dou o espaço devido fica o peso na consciência de não ter estado a trabalhar os conteúdos da ‘minha’ disciplina, porque são estes a matéria de exame e de avaliação que se impõem.

Os temas que escolhermos trabalhar – e que, a meu ver, não são assim tão estanques, pois poderemos falar de Direitos Humanos sem falar de Igualdade de Género, Interculturalidade, Desenvolvimento Sustentável, Educação Ambiental e Saúde ou até mesmo de Media, Sexualidade, Participação Democrática, Mundo do Trabalho, Segurança, Defesa e Paz? – cada um de nós será implicado na sua totalidade. Aquilo em que acredita, a forma como olha o mundo, o modo como se relaciona com os outros moldarão, inevitavelmente, as nossas propostas.

Esta nova disciplina tem por base um projecto maior de Educação para a Cidadania do nosso agrupamento de escolas que assenta em quatro pilares: a Interculturalidade como plena formação humanística dos alunos como cidadãos democráticos, participativos a favor do respeito pelas diferenças e da não discriminação, numa época de diversidade social e cultural crescente, procurando suprimir os radicalismos violentos; os Direitos Humanos assegurando um conjunto de direitos e deveres que devem ser veiculados na formação, de modo que no futuro sejam adultos com uma conduta cívica que privilegie a igualdade nas relações interpessoais, a integração da diferença, o respeito pelos direitos básicos a todos os cidadãos do mundo; a Consciência democrática contribuindo para o incremento de atitudes e comportamentos de diálogo e respeito pelos outros, alicerçados em modos de estar na comunidade e em sociedade que tenham como referência os direitos humanos, nomeadamente os valores da igualdade, da democracia e da justiça social, contra egoísmos de qualquer tipo; e o Desenvolvimento sustentável numa consciência da necessidade de mudar comportamentos no sentido de garantir a sustentabilidade das várias formas de vida na terra, respeitando a diversidade de plantas e animais, combatendo os factores que estão na origem das alterações climáticas e promovendo uma distribuição mais justa dos recursos disponíveis.

Nos temas que escolhermos trabalhar – e que, a meu ver, não são assim tão estanques, pois poderemos falar de Direitos Humanos sem falar de Igualdade de Género, Interculturalidade, Desenvolvimento Sustentável, Educação Ambiental e Saúde ou até mesmo de Media, Sexualidade, Participação Democrática, Mundo do Trabalho, Segurança, Defesa e Paz? – cada um de nós será implicado na sua totalidade. Aquilo em que acredita, a forma como olha o mundo, o modo como se relaciona com os outros moldarão, inevitavelmente, as nossas propostas.

Penso que nenhum de nós será isento ao conduzir esta disciplina – mas isso acontece também nas outras disciplinas que leccionamos. Poderá mesmo acontecer que algum force em demasia num determinado sentido, pondo-se mais do lado da ideologia fechada do que do fomento do pensamento crítico. Porém, como professora titular da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, sou chamada a ser, sobretudo, a responsável pela coordenação do desenvolvimento do projecto de cada turma, convocando todo o Conselho de Turma e até outros elementos da comunidade educativa, mais ou menos alargada, para a sua consecução. Não haverá manual e não será o professor a dar mais uma aula. Será um trabalho de projecto em que cada aluno será verdadeiramente implicado, tendo em conta a sua singularidade, sendo chamado a trabalhar com e pelos outros, percebendo que lhe é pedida uma participação activa – para já, concretamente, na sua escola, mas no futuro, que pode ser já amanhã ou mesmo ao chegar a casa, na sua família, na sua aldeia, na sociedade. Quantas vezes nos queixamos da falta de participação dos jovens (e não só!) em momentos de decisão? Da sua falta de opinião sobre temas actuais. Da sua falta de sentido de pertença. A participação aprende-se, exercita-se, exerce-se, corrige-se e, desta forma, pouco a pouco, melhora-se. A participação democrática é uma aprendizagem e isso implica que tem de haver quem cuide de a promover, pois, sem esse cuidado, ela não vai acontecer.

como professora titular da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, sou chamada a ser, sobretudo, a responsável pela coordenação do desenvolvimento do projecto de cada turma, convocando todo o Conselho de Turma e até outros elementos da comunidade educativa, mais ou menos alargada, para a sua consecução. Não haverá manual e não será o professor a dar mais uma aula.

Neste momento em que a proposta que apresentarei começa a ganhar corpo, recordo as palavras (e mais que as palavras, a atitude) do meu professor de Filosofia do 10.º ano há 35 anos: tens claro para ti aquilo em que acreditas e defendes? Então, agora, coloca-te na posição do outro e defende-a. Este exercício, que, na altura, me baralhava, ajudou-me a olhar a vida com um outro olhar. Percebi que nem todos pensavam como eu.

Percebi que a alternativa não era pensar exactamente o oposto. Entre um e outro lugares, havia uma infinidade de hipóteses. Este tempo que vivemos é o tempo oportuno (como qualquer outro o seria, pois, sem dúvida, que todos os tempos são tempo oportuno!) para avançarmos. Aconteceu tanta coisa nos últimos tempos. Fomos chamados a ter uma atitude que cuidasse dos outros. Percebemos que cada um de nós conta. Que podemos fazer a diferença.

Os textos, debates, exercícios que faremos serão ocasião para expor aquilo que pensamos, as nossas certezas, as nossas dúvidas. Permitirão abrir o olhar. Favorecerão um desenvolvimento integral. Cidadania e Desenvolvimento poderá ser uma disciplina pela qual, sem esquecer nem anular aquilo que à família diz respeito, a educação humanista tem um pouco mais de direito na escola.

 

Nota: a autora escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.