Conta-se que, certo dia, alguém se dirigiu a Madre Teresa perguntando se a Igreja precisava de mudança e qual seria a primeira coisa a mudar, questão à qual a santa de Calcutá terá respondido, sem hesitação, que “sim, deve mudar, começando por mim e por ti”. Toda e qualquer reforma da Igreja deve, sem dúvida, traduzir-se na conversão dos membros que constituem o seu corpo. Sem conversão pessoal nunca se poderá reformar a Igreja. Até porque Jesus, no Evangelho, não chama instituições ou grupos identitários de indivíduos: antes chama pessoas concretas para O seguirem.
No entanto, seria um erro pensar que a conversão se reduz apenas aos indivíduos, como se estes escolhessem e moldassem a sua vida a partir de um radical isolamento uns dos outros e em total independência em relação às instituições onde se inserem. De facto, também as instituições podem ser chamadas a converter as suas regras, as suas estruturas e o seu modus operandi.
E hoje, com o despoletar do problema dos abusos tanto na Igreja como noutras instituições da sociedade, torna-se fácil perceber o quanto as comunidades e ordens religiosas são chamadas à conversão e à reforma. Nisso, as Monjas de Belém oferecem um bom exemplo. Refiro-me ao ramo feminino da Família Monástica de Belém, da Assumpção da Virgem e de São Bruno, cuja fundação data de 1950, ano da proclamação do último dogma mariano, pelo Papa Pio XII. Atualmente, com 29 mosteiros ativos situados em 15 países diferentes, o carisma monástico de silêncio e adoração persiste com a entrega de mais de quinhentas mulheres que assim se sentem chamadas a viver. Todo aquele que se aproximar desses lugares de adoração e silêncio, bem como das peças de artesanato religioso e dos ícones produzidos pelas mãos daquelas monjas, facilmente se deixa tocar pelo ambiente de oração e de autenticidade que caracteriza a regra de São Bruno.
E hoje, com o despoletar do problema dos abusos tanto na Igreja como noutras instituições da sociedade, torna-se fácil perceber o quanto as comunidades e ordens religiosas são chamadas à conversão e à reforma. Nisso, as Monjas de Belém oferecem um bom exemplo.
Mas a verdade é que nem tudo são rosas. Depois de várias queixas de antigas irmãs, que haviam abandonado o instituto em estado de trauma e com profundas feridas psicológicas, o Dicastério para a Vida Consagrada visitou, em 2015, alguns mosteiros da ordem. É de sublinhar o facto de terem sido as próprias irmãs a pedir esta visita canónica. O inquérito por parte de Roma chegou às suas conclusões no ano seguinte, em 2016: mais do que a excessiva rutura com o exterior, própria do carisma, o principal problema parece ser o de uma abusiva centralização do poder. Os abusos de autoridade e de consciência revelaram-se capazes de incutir, nos súbditos, uma cultura de culpabilidade, ao ponto de criarem dependências afetivas e disfunções psicológicas ou espirituais em pessoas frágeis que, ainda hoje, sofrem de baixa autoestima, e experimentam limitações ao nível do exercício da liberdade e da capacidade de desenvolver relações de confiança (sobretudo com a Igreja). Agora, é evidente que a cura vai exigir lentos e difíceis processos de regeneração.
Nesse sentido, assumindo que houve abusos de autoridade, as monjas de Belém pedem “perdão”, tal como podemos ler no comunicado, tornado público a 5 de janeiro de 2021: “A irmã Emmanuel, atual prioresa geral, e as irmãs do Conselho Permanente escutaram irmãs que deixaram a Família monástica. Em nome da comunidade das monjas, querem expressar como foi profunda a sua tomada de consciência das feridas e traumas que tais disfunções provocaram nestas irmãs, na sua autoestima, no seu livre-arbítrio e na sua relação de confiança com a Igreja, necessitando agora de uma reconstrução lenta e difícil. As responsáveis da Família monástica humildemente pedem-lhes perdão”.
Sei que pedidos de desculpa soam mal. E até podemos justamente sentir, como o povo na sabedoria dos seus provérbios, que mais vale evitar desculpas do que pedi-las. No entanto, convém reconhecer o caminho de conversão que as irmãs têm vindo a percorrer, desde 2017, seguindo as orientações dadas pelo Dicastério Romano. Em primeiro lugar, comecemos por admitir o quão raro e difícil é reconhecer uma falha, seja ao nível pessoal, seja no âmbito comunitário ou institucional. E, nesse sentido, contrariamente à atitude típica de um partido fechado em si mesmo, é de elogiar o mérito deste gesto por parte das monjas de Belém. Em segundo lugar, também é justo louvar o seu esforço no sentido de reformar o instituto. Pois, na verdade, a Família Monástica de Belém não se fica por meros pedidos de perdão, ainda que os faça com humildade, parece-me.
De facto, no imediato, as monjas criaram um gabinete de escuta independente, que se prepara para recolher testemunhos em várias línguas, de forma a acolher todas as vítimas. Trata-se, sobretudo, de as escutar com humildade e paciência. Sabendo que as feridas são profundas, o gabinete visa, também, iniciar processos de cura e de reconciliação. E a tudo isso se junta ainda o compromisso, mais a médio e longo prazo, de rever e reformular as suas próprias constituições. Com a ajuda de peritos, nomeadamente do jesuíta François-Xavier Dumortier e do dominicano Philippe Toxé, as irmãs procuram corrigir algumas das suas próprias regras no sentido de evitar possíveis abusos de autoridade e de consciência no futuro.
Em meu entender, é interessante reparar como, nesse “trabalho de verdade e de reforma”, se dá a entender que o processo de conversão passa pelo exercício de uma maior “colegialidade, tanto no que respeita à prioresa geral como às prioresas locais”. Creio que, assim, o esforço das monjas no sentido de reformar o seu instituto acaba por propor caminhos para toda a Igreja. No fundo, a colegialidade aponta no sentido de um maior respeito pelo local, bem como de um maior aprofundamento dos princípios da subsidiariedade e da sinodalidade. Por isso, caso a reforma das irmãs de Belém seja bem-sucedida, a Igreja saberá como purificar o exercício do poder nas estruturas do seu próprio funcionamento.
Creio que, assim, o esforço das monjas no sentido de reformar o seu instituto acaba por propor caminhos para toda a Igreja. No fundo, a colegialidade aponta no sentido de um maior respeito pelo local, bem como de um maior aprofundamento dos princípios da subsidiariedade e da sinodalidade.
Por último, este esforço de reforma é fundamental, na medida em que nos mostra como, para o problema dos abusos, o fechar das portas não é solução. Perante os abusos perpetrados por membros de um instituto religioso que, de certa forma, acabou por proteger os abusadores em detrimento das vítimas, a solução não passa por tudo destruir. Desfazer por completo o instituto em causa, queimando logo e para sempre o trigo e o joio, será tentação fácil e solução simplista. O caminho passa, pois, pela reforma que, em vez de matar, aproveita tudo o que há de bom num carisma e num instituto, por forma a gerar mais vida, reconhecendo o mal cometido e corrigindo-o, na esperança de um futuro melhor. Por isso, creio que nos animam as palavras da prioresa geral, a irmã Emmanuel: “Temos consciência de que este trabalho requer tempo, paciência e perseverança. Apesar de todos os nossos erros e faltas, somos testemunhas do Amor de Deus por nós e da alegria profunda que encontramos na nossa vocação monástica no seguimento de Cristo. É nossa responsabilidade purificar o que ainda precisa de ser purificado para que a vida evangélica segundo o Espírito aí se possa desenvolver plenamente”.
Fotografia: Família Monástica de Belém
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.