Aprendiz de jesuíta

O desejo de ser padre despertou em Manuel Morujão quando o irmão mais velho foi ordenado padre. E confirmou-se num retiro aos 16 anos. Hoje com 72 anos, diz com graça que a vida de um jesuíta é fácil e que custam apenas os primeiros 30 anos

O desejo de ser padre despertou em Manuel Morujão quando o irmão mais velho foi ordenado padre. E confirmou-se num retiro aos 16 anos. Hoje com 72 anos, diz com graça que a vida de um jesuíta é fácil e que custam apenas os primeiros 30 anos

Não tenho livro de reclamações. Gostaria de ser autor de uma enciclopédia da gratidão. É que tenho recebido imensamente mais do que vou dando. Recebido gratuitamente de Deus, da família, dos colegas e das pessoas que tenho encontrado na minha missão. É claro que ter uns pais de honestidade e devoção comprovadas ajuda muito para a construção de uma vocação. Meu pai era agricultor com um especial jeito para a apicultura, escrevendo até artigos em jornais sobre abelhas, mel e assuntos do género. Em serões, com programa de terço e conversa à lareira, ouvi de meu pai histórias de santos missionários, que me despertaram para outros horizontes geográficos e vocacionais.

Tendo o meu irmão mais velho chegado ao mundo 16 anos antes de mim e tendo sido ordenado padre na diocese de Viseu, fez-me crescer o desejo de ser também padre e respeitou o meu desejo/sonho de ser missionário. Assim encaminhou as coisas para eu ir estudar para os jesuítas no Colégio Apostólico da Imaculada Conceição (CAIC) de Cernache, Coimbra, frequentado por jovens com perspetiva de poderem vir a ser jesuítas e com alguns alunos externos.

«Deus quer, o jovem sonha, o jesuíta nasce» (que me perdoe Pessoa a adaptação da sua Mensagem). Foi determinante um retiro, quando eu tinha 16 anos, orientado pelo então Mestre de Noviços P. Joaquim Abranches, na Casa que o Colégio das Caldinhas tem em Esposende, e que foi decisivo para a minha entrada na Companhia de Jesus. Usando o esquema inaciano da eleição, aconselhou-nos a fazer a lista dos prós e dos contras sobre o futuro vocacional. Vi que as minhas reticências e dúvidas eram inconsistentes e que não havia outro remédio senão apostar nesta aventura de ser jesuíta, em que já ando há mais de meio século.

Para que conste, comprovado pela minha experiência, quero sublinhar que a vida de um jesuíta é algo muito fácil. O que mais custa são os primeiros 30 anos. Portanto, já podem imaginar o paraíso em que vivo. Mudando para um tom mais sério, tenho-me esforçado por aceitar a vida tal como ela é: o meu amadurecimento interior e minhas inconstâncias e asperezas; o estilo dos meus superiores e formadores com os desafios que me foram proporcionando; a compreensão e amizade dos colegas, normalmente estimulantes e excecionalmente desconcertantes, pois não são anjos como também eu não sou; os sobressaltos das mudanças sociais, políticas e religiosas, que me têm desafiado a crescer, mesmo na idade de ouro em que me encontro, pois neste 2018 cheguei ao ponto de já só me faltarem 28 anos para chegar a ser centenário, muito provavelmente na companhia de Jesus celestial.

Perguntaram se nunca tive dúvidas neste projeto vocacional, e eu assim respondo: tive mais tentações do que dúvidas. Foi-me sempre bastante claro que era por este caminho que o Senhor me queria. Por outro lado, não faltaram tentações de (des)amores alternativos e a consciência da desproporção entre a minha pequenez e a grandeza do ideal vocacional e das responsabilidade que me têm sido pedidas.

Usando expressões que presencialmente ouvi há dias do inaciano Papa Francisco, quando improvisava, falando do que lhe ia no coração e não estava nos papéis do discurso oficial, tenho procurado libertar-me da «espiritualidade das lamentações» e substituí-la pela «espiritualidade da consolação». Que Deus assim me ajude a viver, no estilo de Cristo Ressuscitado, exercendo o «ofício de consolador».

 

Para conhecer melhor este tema das vocações, visite a página Ser Jesuíta. 

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P. Manuel Morujão sj (à direita), saudando o Papa Francisco no ano passado, em Fátima.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.