Aprender a escutar os que são silenciados

Estas são não só as vozes daqueles que mais sofrem as consequências das mudanças no clima, mas também dos que conhecem formas ancestrais de viverem em respeito pelo Planeta.

Estas são não só as vozes daqueles que mais sofrem as consequências das mudanças no clima, mas também dos que conhecem formas ancestrais de viverem em respeito pelo Planeta.

O Tempo da Criação, que decorre de 1 de setembro a 4 de outubro, constitui um período em que os Cristãos de todo o mundo são convidados a orar e a agir pela Casa Comum. Este ano o mote principal consiste em “Escutar a Voz da Criação”, tendo como símbolo a sarça ardente.

Sendo de cariz ecuménico, esta iniciativa é organizada por instituições ligadas a diferentes Igrejas cristãs, as quais chamam a atenção para a necessidade de escutar todas as vozes que são silenciadas no discurso público sobre as alterações climáticas e a forma como cuidamos e nos relacionamos com a Terra.

A escuta dos que mais sofrem é, para os cristãos, feita à imagem do que Deus transmitiu a Moisés com a sarça ardente (Ex 3: 1-12), um fogo do Espírito que não destrói mas que mostra que Deus ouve estas vozes e está com os injustiçados, conforme sublinha a organização.

Estas são não só as vozes daqueles que mais sofrem as consequências das mudanças no clima, mas também dos que conhecem formas ancestrais de viverem em respeito pelo Planeta, sendo destacados os mais jovens, os povos indígenas, as mulheres, os economicamente marginalizados, os migrantes, bem como as diferentes espécies ou os ecossistemas afetados.

Na sua mensagem para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação – que se celebrou a 1 de setembro – o Papa Francisco refere que, se aprendermos a escutar, perceberemos a dissonância que existe na voz da Criação, a qual canta em louvor a Deus mas ao mesmo tempo lamenta “os nossos mau tratos a esta nossa casa comum”. É por isso necessário “mudar os nossos estilos de vida e sistema destrutivo”, “convertendo modelos de consumo e produção” que respeitem “a criação e o desenvolvimento humano integral de todos os povos, presentes e futuros”, defendendo um “desenvolvimento baseado na responsabilidade, prudência/precaução, solidariedade, preocupação com os pobres e as gerações futuras”.

Para aprendermos a escutar é essencial o papel de cada pessoa, famílias e instituições.

Para aprendermos a escutar é essencial o papel de cada pessoa, famílias e instituições. A Plataforma de Ação Laudato Si, uma iniciativa do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral com diversas organizações parceiras, apoia a conversão ecológica de vários setores, entre os quais as Instituições Educativas.

Na encíclica Laudato Si´, Francisco defende que “antes de tudo é a humanidade que precisa de mudar”, o que implica, entre outros, um grande desafio educativo (LS, 202). Esta mudança passa por adotar novos estilos de vida, que se afastem do consumismo, da autorreferenciação e que sejam capazes de pressionar os poderes político, económico e social (LS, 203 – 206).

Neste âmbito, o desafio educativo coloca-se em diferentes âmbitos, como sejam “a escola, a família, os meios de comunicação, a catequese, e outros”. À política, às associações e à própria Igreja compete “um esforço de formação das consciências da população” (LS, 213;214).

Na verdade, sem um esforço de transformação pela e da educação no seu sentido mais amplo, a conversão à ecologia integral não será certamente uma realidade. Desta forma, um dos sete Objetivos Laudato Si´ definidos na Plataforma é precisamente a “educação ecológica”.

Pretendendo-se que estes objetivos guiem a ação de quem procura “discernir uma resposta para a crise ecológica”, a inspiração que é dada para o âmbito educativo passa, por exemplo, por trabalhar pelo acesso equitativo à educação, pela promoção dos direitos humanos, por fomentar os temas da Laudato Si´ na comunidade, por incentivar lideranças ecológicas e atividades de restauração ecológica, por redefinir currículos e reformar as instituições.

Reforçando a importância da educação, já no lançamento do Pacto Educativo Global, em 2019, o Papa Francisco defendia que “toda a mudança precisa duma caminhada educativa”.

Reforçando a importância da educação, já no lançamento do Pacto Educativo Global, em 2019, o Papa Francisco defendia que “toda a mudança precisa duma caminhada educativa”, sendo necessário ter “a coragem de colocar no centro a pessoa” e encontrar “outros modos de compreender a economia, a política, o crescimento e o progresso”.

Na verdade, o discurso de diagnóstico e proposta de soluções para o desenvolvimento sustentável não raras vezes enreda-se em argumentos tecnicistas e também eles autorreferenciais, mesmo que bem intencionados, esquecendo o contributo que outras vozes e experiências podem trazer para a discussão.

Que o Tempo da Criação que estamos a viver encoraje todos os que de alguma forma têm um papel no campo educativo, desde a família às grandes instituições, a escutar os que mais sofrem, os que sabem viver de acordo com os limites da natureza e os que conhecem na prática os efeitos de modelos económicos e sociais que requerem mudanças urgentes.

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.