Ana Amasiye traz misericórdia, elementos e afetos de Moçambique

O livro, que junta imagem e texto, é fruto das vivências do autor, o P. Paulo Teia, sj, ao longo de cinco anos, como missionário em Moçambique.

O livro, que junta imagem e texto, é fruto das vivências do autor, o P. Paulo Teia, sj, ao longo de cinco anos, como missionário em Moçambique.

Paulo Teia, sacerdote jesuíta, acaba de lançar Ana Amasiye. Embora a expressão em língua chewa signifique “crianças órfãs”, o livro não é sobre órfãos mas sobre a “orfandade”, sobre a carência generalizada de um laço fundamental de mútuo cuidado, de compaixão social.

Ana Amasiye, lançado pela Editorial Frente e Verso, é fruto das vivências do autor, ao longo de cinco anos, como missionário em Moçambique. Lá, Paulo Teia, sj foi acolhido como “hóspede” por um povo terno, paciente, contido e fez a experiência de chegar, de se tornar cidadão residente, um amigo, benfeitor, pai. Lá, o sacerdote jesuíta tornou-se instrumento compassivo, restaurador de brechas, foi trabalhado pela cor, pelos veludos, pela acidez do sofrimento e pela imensa dignidade da espera dos inocentes. Nessa condição de hóspede, tornou-se também ele família, vítima, testemunha de uma deriva, dum sôfrego silenciado, duma condição de carência fundamental. Perfilharam-no como “órfão entre órfãos”.

O livro percorre o teclado de dois instrumentos, ambos de sopro e luz, fotografia e texto. Antes da imagem, a palavra. Para não serem órfãs, uma da outra, o texto assumiu a paternidade diante da imagem abundante, como em Moçambique, como em África.

A obra está organizada segundo três entradas de leitura, sem ordem fixa. A primeira — “Da Misericórdia” – dedicada ao antídoto da carência que afeta o “órfão”. Porque a misericórdia é a única forma de galgar e refazer o caminho de compaixão e solidariedade que se esfumou na memória de um povo. Um querer fazer barro, com as mãos de todos, destino comum, natureza humana. A segunda – “Dos Elementos” – evidencia os elementos que constroem vida e sem os quais há morte: água, terra, fogo e ar. Quatro elementos… quatro estações… quatro lados de uma mesma figura. A terceira – “Dos afetos” – um poema que é recolha de afetos e dizeres que apenas o coração conhece. Não podemos viver sem a sensação de cada experiência, sem a memória de enredos vividos. Cada vida, célula dum corpo que foi, e é, Criação. Estas três partes confluem num desdobrável que migra do livro e se faz peregrino. Torna-se insistência, um bater de porta em porta, tormento ao olhar adormecido, colo que o acolha.

Este livro, segundo o autor, é uma primeira abordagem do vivido. Talvez a mais imediata, a mais fácil de sair. Não é ainda todas as outras que virão, com muitos outros retratos e momentos “pixelizados”. Falta ainda dizer os porquês e os senãos, falta o livro a preto e branco, falta a anatomia contada em castanhos e “esferidades”. Umbigos, cordões, margens e caudal de muitos rios.

Paulo Teia convida-nos “a assaltar o livro como quem o rouba para pôr ao serviço de todos”, argumentando que “ele não lhe pertence como ele também nunca foi pertença, de nada, nem de ninguém…Ana Amasiye”.

O livro vai ser apresentado numa conversa com o autor, que decorrerá no sábado, às 18h num live no Instagram da RMOP (Rede Mundial de Oração do Papa) e do Ponto SJ.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.