Nos últimos tempos tenho me apercebido de como, nos dias de hoje, há tanta necessidade de escuta. Apenas a escuta. Não precisamos, na maioria dos casos, de conselhos ou soluções, mas apenas de alguém que nos olhe nos olhos e nos ouça no coração.
Parece fácil ou simples, mas o tempo e a emergência dos dias não nos deixam muitas vezes esse espaço. Como se enchêssemos a vida de coisas, depois mais coisas e ainda mais um bocadinho de coisas, e os nossos ouvidos ficassem “entupidos”. Temos o interior cheio das nossas “coisas”, dos nossos problemas, das nossas necessidades, das nossas verdades.
Na infância, na adolescência, na idade adulta, na velhice, um crescendo de emoções que nos entranha a alma faz-nos ter necessidade de sermos escutados. Se é verdade que temos necessidade de partilhar o nosso interior com os outros, também é verdade que não temos, nós próprios, espaço para escutar o interior dos outros. E assim, numa sucessão de impossibilidades, vamos acumulando coisas ditas e não escutadas, vamos perdendo tanta coisa que não houve tempo para escutar. Ficamos mais pobres, mais sozinhos.
Urge criar espaços e momentos apenas para escutar. Só na relação com o outro somos pessoas, só na relação com o outro encontramos o Deus dos nossos dias, o Cristo Ressuscitado que caminha connosco. Quando rezo o caminho de Emaús, fico muitas vezes a pensar se, nos dias de hoje, teremos tempo e espaço para escutar alguém no caminho, se teremos tempo e espaço para pedir ao Jesus, que caminha ao nosso lado, para ficar, para se sentar e para jantar connosco. Infelizmente, se calhar, não.
Então onde podemos encontrar esse espaço e esse tempo? Muito se tem escrito sobre o correr dos dias, o trabalho em excesso, as muitas ocupações dos jovens, a ausência de relações familiares, a solidão dos idosos. Muitas vezes reduzimos tudo ao tempo, como se a falta de tempo justificasse todo o silêncio e ruído que impedem a escuta. Parece uma roda, sem fim e sem sentido, em que há sempre um motivo que tudo justifica.
Muitas vezes reduzimos tudo ao tempo, como se a falta de tempo justificasse todo o silêncio e ruído que impedem a escuta. Parece uma roda, sem fim e sem sentido, em que há sempre um motivo que tudo justifica.
Ando há “tempo” a trabalhar a escuta em mim. Comecei a faze-lo com as minhas filhas, ao deitar, ao caminhar ao fim de dia, ao jantar em família, mas, na verdade, nem sempre é fácil. Treinar o escutar sem julgar ou sem arranjar uma solução imediata é um desafio diário. Manter a porta aberta a escutar, o que tantas vezes não queremos ouvir, é o único meio de estabelecer intimidade e relação entre pais e filhos. Na verdade, somos nós, os pais, quem fecha muitas vezes a porta, com o nosso bem-intencionado desejo de tudo solucionar, de tudo resolver, de tudo proteger.
Na família alargada e no grupo de amigos, as mesas, muitas vezes ruidosas, dificultam o diálogo. Todos dizemos tudo, como se a nossa verdade fosse a única, a que realmente merece ser ouvida. No trabalho as diferenças aguçam a dificuldade, fazendo que muitas vezes só olhemos essa diferença e não consigamos encontrar o ponto comum, que permitiria a relação. Todos falamos, mas poucos escutamos.
Escutar o outro implica também ter a liberdade de assumir a nossa necessidade de escuta. Muitas vezes queremos que escutem a nossa opinião sobre a realidade do outro, mas não conseguimos partilhar a nossa própria realidade interior. Ficamos presos no aprender a escutar, esquecendo que precisamos de nos darmos espaço para sermos escutados. Na verdade muitas vezes não nos escutamos, verdadeiramente, a nós próprios, talvez porque muitas vezes não nos apetece ouvir o que essa escuta tem a mostrar.
Com quase vinte anos de CVX, alguns anos de orientação espiritual esporádica e três anos de orientação espiritual regular, começo agora a saber mostrar a minha realidade interior, sem filtros, sem explicações, apenas como ela é. Muito aprendi com os meus “amigos de Jesus”, pessoas que, como eu partilham, esta espiritualidade inaciana que nos ajuda a ver-nos com o olhar misericordioso do Pai. Mas, tenho a certeza que muito caminho há ainda a fazer. Assumindo que Deus me ama como eu sou, na minha realidade e fragilidade, vou sendo capaz de dar os primeiros passos a pedir ajuda aos outros. E o mais interessante acontece, quando eu abro a minha realidade os outros abrem a sua. Como se houvesse de repente uma intimidade que surge.
O espaço da escuta exige conversas dois a dois, três a três em que um fale e os outros apenas escutem. Fazem falta noites em que apenas nos sentamos a ouvir o silêncio, porque só no silêncio o outro pode ter espaço para falar. Noites, tardes, manhãs… na verdade faz falta o espaço e o tempo para a intimidade, mas a intimidade do outro, como espaço sagrado, precisa de minha sensibilidade para calar a minha opinião. E isso é muito difícil às vezes. Todos sabemos tudo e temos opinião tão bem formada sobre tantos assuntos.
Viver no desafio permanente de aprender a escutar com a liberdade que Jesus nos dá é a nossa melhor hipótese de construir pontes e caminhos. De, de algum modo, sermos presença no mundo, deste Deus Pai que nos ama primeiro e que nos aceita como somos.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.