A JMJ terminou há quinze dias. Foi uma semana extraordinária, que vincou na nossa memória palavras, imagens e encontros que dificilmente esqueceremos. Ao descermos da montanha, consolados pela contemplação de uma Igreja transfigurada, desejamos, naturalmente, interpretar a experiência que vivemos. E desejamos, também, que os seus frutos sejam mais do que um fulgor passageiro, destinado a extinguir-se com o declinar do verão, ao regressarmos à planura do nosso quotidiano. Os comentadores têm sido quase unânimes: a JMJ surpreendeu e inundou Lisboa com a frescura e a alegria próprias da juventude. Ao mesmo tempo, há uma pergunta que se repete, como se de um refrão se tratasse: que frutos dará a JMJ? É difícil discernir este refrão, entoado em forma de pergunta: expressão de ceticismo ou desejo de não desperdiçar o kairos aberto pelo maior dos encontros de juventude?
Vivi a JMJ por dentro, ombro a ombro com os peregrinos, submerso na onda de alegria e entusiasmo juvenil que inundou Lisboa. Deixei-me levar. Escancarei as portas dos sentidos e do coração. Calcorreei as ruas de Lisboa como peregrino. Esperei pacientemente pelo fugaz encontro com o Papa Francisco em alguma das ruas de uma cidade transformada em santuário. No ministério da escuta e da reconciliação pude contemplar a JMJ a partir do coração dos jovens peregrinos. Por tudo isto, o meu olhar não pode ser neutro, nem a minha reflexão fria. A JMJ foi realmente um acontecimento extraordinário, um daqueles momentos capazes de projetar a história numa direção inesperada.
A JMJ deu muitos frutos antes mesmo de começar. Esperamos do futuro os seus frutos maduros. Desejamos que o entusiasmo, a alegria e a beleza transbordem e ofereçam à Igreja do nosso tempo o alento que há muito lhe falta. Expetativa legítima, sem dúvida. E, no entanto, a JMJ não é apenas um ponto de partida. É também um ponto de chegada. A alegria que vivemos juntos e que reverberou muito para além da cidade de Lisboa alimenta-se de muitas histórias, mergulha as suas raízes em meses ou anos de preparação, ganhou forma como sonho realizado de muitos milhares de jovens.
A preparação da JMJ é, porventura, o maior legado e património da grande peregrinação de jovens. Não só, nem sobretudo, a extraordinária logística que esticou as cordas da grande tenda que se chama Lisboa, «casa da fraternidade» e «cidade dos sonhos». Penso nos pequenos grupos de jovens de paróquias perdidas um pouco por todo mundo. Por vezes quatro ou cinco jovens, que sonharam vir a Lisboa e para quem o valor da inscrição estava muito acima das suas possibilidades. Precisaram, por isso, arregaçar as mangas e dar largas à imaginação. O sonho de participar na JMJ gerou uma imensidão de experiências de solidariedade, agitou as comunidades, aproximou gerações, gerou dinâmicas de colaboração, numa rede capilar que seria difícil reconstruir.
O sonho de participar na JMJ gerou uma imensidão de experiências de solidariedade, agitou as comunidades, aproximou gerações, gerou dinâmicas de colaboração, numa rede capilar que seria difícil reconstruir.
A melhor forma de transmitir a fé é com as mãos. Aprende-se fazendo. Comprometemo-nos quando nos envolvemos e participamos. A JMJ foi um grande projeto de juventude. Um projeto com muitas camadas. Um exército de voluntários, cerca 25.000, preparou-se para surfar a onda de peregrinos que haveria de invadir Lisboa. Sem a sua generosidade, abnegação, capacidade de colaboração e organização, a JMJ não teria sido possível. Depois os jovens que deram corpo à beleza da fé que brilhou sobre Lisboa: a música, os testemunhos, as coreografias, a liturgia, os cenários. Também os peregrinos que se puseram a caminho, preparando a viagem, com sacrifício e com a ajuda de tantos. E como não nomear tantas pessoas anónimas, que se deixaram enternecer e ofereceram a hospitalidade em gestos concretos de gratuidade. Tudo isto são frutos da JMJ, que amadureceram ainda antes da extraordinária semana que pudemos viver.
E o futuro? Poderá a JMJ ter um impacto significativo e duradouro na vida da Igreja? Será legítimo esperar uma reversão ou pelo menos um abrandamento do processo de secularização, já muito adiantado na maioria das sociedades ocidentais, e que afeta também a sociedade portuguesa? Poderemos contar com uma maior participação dos jovens na vida das comunidades cristãs? A JMJ não será a solução para todos os problemas da Igreja. E também não é essa a sua função. Confio, contudo, que a energia e a alegria que se manifestaram durante a JMJ poderão contagiar e animar as comunidades locais. Aliás, o que se tornou visível durante a JMJ foi o rosto jovem, alegre e comprometido da Igreja, que é universal, mas que está presente em contextos concretos, um pouco por todo o mundo. A alegria contagiante dos jovens, a sua paciência e espírito de fraternidade mostraram ao mundo o rosto evangélico da Igreja, que contrasta com a imagem de uma Igreja envelhecida e incapaz de dialogar com o mundo contemporâneo. O modo espontâneo, profundo e descomplicado como os jovens manifestaram a sua fé foi, para muitos, uma grande surpresa. E este é, também, um grande fruto da JMJ, que poderá desbloquear o encontro com Deus em muitas biografias.
Os jovens que se reuniram em Lisboa têm origens muito diferentes, modos diferentes de viver e celebrar a fé, graus variáveis de compromisso com a Igreja. Muitos regressam a casa com o desejo, talvez com o propósito, de uma participação mais consciente e empenhada na vida da Igreja, a partir das suas comunidades. Muitos outros manterão com a Igreja uma relação mais ocasional e menos comprometida. Mas todos experimentaram a força transformadora do encontro com Cristo Vivo e de todos podemos esperar um maior compromisso com a construção de um mundo mais justo e fraterno, porque foi isso que viveram em Lisboa. Os grandes protagonistas da JMJ foram os jovens. Os grandes protagonistas do futuro da Igreja só podem ser os jovens. Como disse o Papa Francisco na Missa de envio, aos jovens «pertence o presente e o futuro». A JMJ foi uma grande sementeira. Foi isto que o Papa Francisco disse aos voluntários, e por meio deles a todos os jovens que participaram na JMJ: «partis daqui com o que Deus semeou no coração, fazei-o crescer, guardai-o com diligência». Como nos lembra a parábola do semeador, algumas das sementes caíram em tereno infértil e, por isso, não chegarão a dar fruto. Mas muitas outras terão caído em boa terra e hão de dar muito fruto.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.