Olímpia e Mário: “A segurança tomou o lugar do risco e o visível do invisível”

Começou o Encontro Mundial das Famílias que termina a 26 de agosto. O Ponto SJ quis hoje ouvir a experiência de um casal com 34 anos de vida em comum e com uma enorme prática em acompanhar outros casais e quem se prepara para o matrimónio.

Começou o Encontro Mundial das Famílias que termina a 26 de agosto. O Ponto SJ quis hoje ouvir a experiência de um casal com 34 anos de vida em comum e com uma enorme prática em acompanhar outros casais e quem se prepara para o matrimónio.

Já está a decorrer em Dublin o Encontro Mundial das Famílias que acontece de três em três anos e reúne famílias de todo o mundo. Começou hoje e termina dia 26 de agosto. O Papa Francisco passará pelo encontro nos dias 25 e 26. 

Como forma de se associar a este encontro, o Ponto SJ procurou ir ao encontro de famílias concretas para saber como vivem a sua missão. Hoje ficamos a conhecer a Olímpia e o Mário.

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A Olímpia e o Mário são casados há 34 anos

A Olímpia e o Mário Ferreira estão casados há 34 anos, tem 4 filhos e 2 netos. Pertencem à Comunidade de Vida Cristã (CVX) e colaboram nos Fins-de-semana para noivos, Relógio da Família (dinâmica para Casais cuja metodologia tem como finalidade ajudar a estruturar e manter um Projeto de família) e “Amores imperfeitos” – encontro para namorados com a dinâmica: Amor – comunicação – compromisso.

Por tudo isto, pareceu-nos que seria bom conhecer um pouco melhor a sua experiência e aprender com ela. Fizemos três perguntas que enviámos por email. A Olímpia e o Mário juntaram-se, rezaram e foram arriscando as respostas que vieram na volta do correio electrónico.

Para se constituir família já não são precisas condições mínimas mas sim máximas. A segurança tomou o lugar do risco e o visível do invisível. As relações entre as pessoas deixaram de estar sujeitas ao compromisso, passaram a experiências do “ver se dá”!

Olímpia e Mário Ferreira

1- Quais os grandes desafios de ser casal em Igreja hoje? 

É sempre difícil parar e questionarmo-nos sobre o tipo de família que somos. O Mundo solicita-nos tantas respostas ao mesmo tempo, que a não ser que façamos da pergunta um modo de estar na vida, teremos sempre dificuldade em soletrar os nós com que a tecemos.

Embora sociologicamente a família de agora seja diferente da de há 50 anos, parece-nos que permanece inalterado o motivo que levou à “sua fundação”. Dizemo-lo baseados na nossa síntese de vida, com um matrimónio de 34 anos, onde vamos aprendendo que o mais importante, em família, é aprender a Amar sem ser na posse. Fomos percebendo ainda, que o Amor é um tudo e um nada, que tem de ser desmontado para se ver como é feito por dentro. O que deve seduzir duas pessoas a unir-se, para constituir família, é a forma como cada um vê o Mundo e está nele. Este é o pressuposto para construir um Projeto de Vida a dois. A felicidade é demasiado valiosa para ficar dependente da expectativa que temos do outro; não há caminho em família se cada um não escavar em solidão o seu interior. Os gestos de ternura devem revelar a admiração e o agradecimento que temos pelo outro. A dor não tem que ser sinal de um fim que se aproxima, mas um meio que a vida nos proporciona para nos ajudar a colocar as perguntas certas. Os amigos e a família devem ajudar a mantermo-nos fiéis e a refinar o olhar. Há uma realidade transcendente que deve permanecer no meio do casal e que dá muito sentido aos sentires que não se sentem. A fidelidade a um Projeto implica sempre, decisão e compromisso, armas fundamentais para se combater os desânimos e as ambivalências. E tudo isto acompanhado muitas vezes de dor. Mas haverá fidelidade sem sofrimento?

A felicidade é demasiado valiosa para ficar dependente da expectativa que temos do outro; não há caminho em família se cada um não escavar em solidão o seu interior.

Olímpia e Mário Ferreira

2 – Como tem sido a vossa experiência ao ajudar outros a preparar e a viver essa missão?

Dizem, e é bem verdade, que só sabe o que é ser bem servido, quem aprende a servir.

Saímos sempre destes encontros com a sensação de que aproveitamos muito mais do que os nossos destinatários. Tornamos actuais os nossos propósitos de vida em familia, afinamos os critérios de relação e comunhão, renovamos a esperança no mundo, vemos o dedo de Deus a tecer a Vida em cada um dos participantes, sentindo-nos confirmados na nossa missão de Igreja.

Nos casais, vamos percebendo uma descoberta para além das suas expectativas, quer na oportunidade de um encontro profundo em casal, num ambiente construtivo e sem domínio aparente, quer na possibilidade de concretização de um projecto de família. Algo que já existia intuitivamente em muitos casos, mas faltava o espaço, o tempo e as ferramentas adequadas para que tal fosse possível.

Vamos contudo percebendo que a inércia desempenha um papel fundamental na dinâmica do casal. Dá-se por adquirido que o matrimónio sobrevive por si próprio, o que justifica a relutância na adesão a este tipo de iniciativas. O confronto e a possibilidade do diferente compromete, incomoda e mete medo. A quietude é aparentemente mais conciliante. É tudo uma questão de tempo: ou nos habituamos a decidir a vida com os olhos e o coração ou ela passa-nos irremediavelmente ao lado.

O confronto e a possibilidade do diferente compromete, incomoda e mete medo. A quietude é aparentemente mais conciliante. É tudo uma questão de tempo: ou nos habituamos a decidir a vida com os olhos e o coração ou ela passa-nos irremediavelmente ao lado.

Olímpia e Mário Ferreira

3 – O que esperam mais da Igreja, de que apoios e ajudas sentem falta? O que querem pedir à Igreja?  

Nestes tempos, que são os nossos, o Absoluto não deixou de existir, só que mudou de nome: Deus chama-se agora dinheiro, as liturgias decorrem nas passerelles, a competitividade e o sucesso tomaram o lugar do serviço. Não conseguimos estar sós e o “silêncio torna-se ensurdecedor”.

Para se constituir família já não são precisas condições mínimas mas sim máximas. A segurança tomou o lugar do risco e o visível do invisível. As relações entre as pessoas deixaram de estar sujeitas ao compromisso, passaram a experiências do “ver se dá”!

Apesar do novo Absoluto, as pessoas continuam tristes, cada vez mais insatisfeitas e desejando ter sempre mais para saciarem a sua sede. Por onde anda a Igreja? Que vida é a nossa de crentes que não seduzimos ninguém com o nosso estilo de vida? Quem é que olha para a nossa família e a referencia como modelo?

O matrimónio não é um lugar de descanso, só o ser-se agradecido nos pode fazer descansar. O matrimónio é sempre uma provocação, um desafio a um olhar mais longe. Amarmo-nos não basta, temos que saber como nos amamos. Pensamos que a Igreja, com a sua Sabedoria milenar, mas sobretudo com a evangélica, pode e tem de desempenhar um papel importante. Não deve só dizer o que se pode ou não fazer e deixar o resto à consciência dos fiéis, é preciso envolver-se na dinâmica das famílias que suportam a histórias seduzindo-as com o que verdadeiramente liberta.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.