1. Como mel para a boca
Rachel da série Friends e a Bíblia. O que é uma coisa tem que ver com a outra? Simplesmente, o nome… que atravessou 3000 anos de história. Em hebraico, Raquel significa «ovelha».
2. Um texto bíblico
Os domingos do Advento são uma oportunidade para regressar a alguns episódios-chave que tiveram lugar em Belém. Esta semana, escolhemos um episódio do Antigo Testamento. Jacob passa nesta cidade com a sua mulher, Raquel:
Partiram de Betel, e faltava ainda um pouco de tempo para chegarem a Efrata, quando Raquel deu à luz e o seu parto foi difícil. Durante as dores do parto, a parteira disse-lhe:
– Ânimo, porque voltas a ter um filho.
Ora no momento do último suspiro – pois estava a morrer – deu-lhe o nome de Ben-Oni; mas seu pai chamou-o Benjamim. Então Raquel morreu e foi enterrada no caminho de Efrata, que é Belém. Jacob levantou um monumento sobre o seu túmulo: é o monumento do túmulo de Raquel, que ainda hoje existe.
Génesis 35,16-20
Antes de passar ao esclarecimento, propomos-vos ler um texto do Evangelho segundo São Mateus, do Novo Testamento:
Jesus nasceu em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes (…) Então Herodes, ao ver que tinha sido enganado pelos magos, ficou muito irado e mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o seu território, da idade de dois anos para baixo, conforme o tempo que, diligentemente, tinha inquirido dos magos. Cumpriu-se, então, o que o profeta Jeremias dissera:
– Ouviu-se uma voz em Ramá, uma lamentação e um grande pranto: é Raquel que chora os seus filhos e não quer ser consolada, porque já não existem.
Evangelho segundo São Mateus 2,1.16-18
3. O esclarecimento
| LER O NOVO TESTAMENTO EM LIGAÇÃO COM O ANTIGO |
O Evangelho segundo São Mateus, no Novo Testamento, conta o nascimento de Jesus em Belém. Mateus escreve o seu Evangelho tendo presentes as narrações do Antigo Testamento. A constante referência a lugares mencionados nessas narrações convida o leitor a lembrar-se de todas as histórias que tiveram lugar ali. Assim, a evocação de Belém no Evangelho evoca também o parto de Raquel e o seu destino trágico.
No Antigo Testamento, Belém é o lugar de um nascimento dramático que envolve, por um lado, a morte da mãe, Raquel, e por outro, a vida do seu filho recém-nascido, Benjamim. Belém é o lugar do túmulo de Raquel e do berço de Benjamim.
| BELÉM E O MASSACRE DOS INOCENTES |
O Evangelho segundo Mateus recorda este duelo entre a vida e a morte em Belém. Assim que Jesus nasce, Herodes ordena o massacre de todas as crianças para estar certo de eliminar o Messias recém-nascido: “mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o seu território, da idade de dois anos para baixo”.
Nesta narração do massacre dos inocentes, Raquel é mencionada pelo evangelista como a figura maternal que chora as crianças deste lugar: “Ouviu-se uma voz em Ramá, uma lamentação e um grande pranto: é Raquel que chora os seus filhos e não quer ser consolada, porque já não existem” (Jeremias 31, 15). De acordo com o livro do Génesis, Raquel morre e é chorada, mas, no livro de Jeremias – citado pelo evangelista, é Raquel que chora os seus filhos.
| A RETER |
- Normalmente, os nomes na Bíblia não são fruto do acaso. Para perceber o seu sentido, é necessário conhecer outros relatos bíblicos.
- Em Belém, tem lugar um drama onde a vida e a morte estão lado a lado: uma mãe morre dando à luz o filho.
- O relato do nascimento de Jesus não é uma história de embalar para crianças. Desenrola-se num lugar carregado de história onde tem lugar uma nova cena de horror: crianças são tiradas às mães e massacradas.
- O Natal em Belém mistura vida e morte, à imagem do que sucede no relato da Paixão de Jesus, onde a vida nova nasce num contexto de morte e de violência.
4. E ainda uma palavra final…
Os dramas de Belém atravessam a História. Fiodor Dostoïevski recorda-o no livro Os Irmãos Karamazov. Na Rússia, uma mulher que perdeu o seu filho vive derrubada pela perda. Vem, então, ao encontro de um velho monge, o staretz Zossima, e mostra-lhe o cinto do seu filho morto:
«Ela tirou do seu seio o pequeno cinto do seu filho; ao vê-lo, começou de imediato a soluçar, escondendo os olhos com os dedos, através dos quais caíam abundantes lágrimas.
– Eh, disse o staretz, isso é o antigo “Raquel chora os seus filhos sem poder ser consolada, porque já não existem.” Tal é a sorte que vos foi destinada neste mundo, ó mães! Não te consoles, não é necessário que te consoles, chora! Mas, de cada vez que chorares, lembra-te que o teu filho é um dos anjos de Deus; que, lá do alto, ele te olha e te vê, que ele se alegra com as tuas lágrimas e as mostra ao Senhor. Durante ainda bastante tempo os teus choros maternais correrão, mas converter-se-ão, enfim, numa alegria gozosa; as tuas lágrimas amargas serão lágrimas de ternura e de purificação, a qual salva do pecado. Rezarei pelo repouso da alma do teu filho.»
Fiodor Dostoïevski, Os Irmãos Karamazov (1880)
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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