- Para começar as férias
Por não saber cantar, é sobretudo a sonoridade das músicas que me desperta emoções. Só me aproprio das letras num segundo momento (por vezes, com profundo lamento). Talvez por isso goste tanto de temas instrumentais, em que apenas é dada a pista mínima do título, sendo tudo o resto emoção não verbal. “Get Free” pode ser a banda sonora do início das férias, um tema alegre que cresce em ritmo até chegar a um ponto catártico em que damos por nós a mimetizar o baterista – o momento da libertação, da purificação do cansaço que fica para trás. Os setenta segundos finais do tema devolvem-nos rejuvenescidos ao prosaísmo da vida.
“Get Free” – Wojtek Mazolewski Quintet
2. Para ouvir de olhos fechados
Devemos reservar nas férias um cantinho de melancolia para a meditação, para o cliché de termos tempo para nós próprios. “Glassworks – 01. Opening” tanto pode ser escutado no silêncio de uma praia vazia de manhã, no terraço a contar estrelas ou deitado na sombra fresca de uma árvore num jardim. Mas sempre de olhos fechados, porque é a melhor forma de olhar para dentro. E sem temer a melancolia, porque, quando a música abranda e parece querer ficar tristonha, logo o Philip Glass a faz ascender novamente, embalando-nos nessa ondulação.
“Glassworks – 01. Opening” – Philip Glass
3. Para os jantares que se prolongam
É certo que esta versão de um original de Joaquín Rodrigo tanto é música de fundo para a conversa com os amigos no final do jantar como é a companhia para a leitura solitária de um livro. Mas a mim, não sei porquê, sempre me transmitiu a suave emoção de um ambiente de calmo convívio. Gosto de acreditar que o Jim Hall criou estes 19 minutos e 19 segundos justamente para os jantares que se prolongam, de preferência lá fora, no quintal, no jardim ou no eirado, aproveitando a quentura agradável que a terra liberta à noite. Não importa o espaço, desde que o tempo seja dedicado à amena conversa da amizade.
“Concierto de Aranjuez” – Jim Hall
4. Para a esplanada
Esta música consegue transmitir-me toda a serenidade que o título deixa adivinhar. Não consigo ouvi-la e não começar a relaxar os ombros. No momento histórico que estamos a viver, a música ganha outro sentido e a letra aqui é importante. Não conheço nada musicalmente melhor para nos trazer a tranquilidade da certeza de que o distanciamento social não é para sempre do que o mantra «Things gonna change» cantado numa voz segura de quem sabe que assim será. É um bálsamo para ouvir numa esplanada, para nos deixarmos levar pelo ritmo das batidas, mas com a letra a pontuar as conversas.
“Chill Out (Things Gonna Change)” – John Lee Hooker
https://www.youtube.com/watch?v=Qe5Fv58PFI8
5. Para viajar de carro
“The Winner Is” é uma música da banda sonora do comovente e hilariante “Little Miss Sunshine”. Grande parte do filme é passado numa viagem numa carrinha Volkswagen “Pão de Forma”, e talvez por isso seja fácil a associação entre a música e a ideia de viagem. As férias são sinónimo de viagem, mas esta música não é apenas uma companhia útil para nos distrair enquanto não chegamos a um destino – é a banda sonora da viagem como lazer. Se formos como as personagens do conto “A Viagem”, da Sophia de Mello Breyner Andresen, que, apenas focados em chegar ao destino, não se deixam encantar pelo caminho da maravilhosa viagem que fazem, então “The Winner Is”, que, sem sabermos porquê, nos humedece os olhos, é um desperdício.
“The Winner Is” – Mychael Danna Devotchka
https://www.youtube.com/watch?v=l0QUFY8X7n8
6. Para caminhar na natureza
A sonoridade desta música adequa-se a uma harmonia primordial com a natureza que eu acho que recuperamos em cada caminhada pelo campo. Para ouvir enquanto respiramos fundo o ar puro do campo, com árvores e pássaros, mas sem fogo.
“On Trees And Birds And Fire” – I am Oak
https://www.youtube.com/watch?v=WXFvSE7GBbs
7. Para desfrutar
É um lugar-comum dizer que estamos presos às rotinas dos écrans. Mas pode acontecer que deixemos o verão acontecer sem dar por ele inteiramente. Apesar da riqueza da letra desta música, insisto na mesma ideia da importância da sonoridade: traz-me imensa paz ouvir o José González cantar, mesmo quando ele me diz «don’t let it pass».
“Don’t Let It Pass” – Junip
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
