Este ano faz 40 anos que o Papa João Paulo II publicou a carta apostólica Salvifici Doloris, que continua a guiar a Igreja no seu entendimento acerca do sentido cristão do sofrimento até aos dias de hoje.
Diz o Papa nesta carta: “O sofrimento humano atingiu o seu vértice na paixão de Cristo; e, ao mesmo tempo, revestiu-se de uma dimensão completamente nova e entrou numa ordem nova: ele foi associado ao amor (…)” (SD, nº 18). Associar o sofrimento ao Amor e recusar o sofrimento como punição ou castigo continua a ser revolucionário em muitas partes do nosso mundo em 2024. Deus não ama o sofrimento, Deus ama no sofrimento. E ama tanto que sofreu o sofrimento máximo na cruz – voluntariamente e inocentemente – para nos trazer a esperança da vida e da santidade eternas.
Deus não ama o sofrimento, Deus ama no sofrimento. E ama tanto que sofreu o sofrimento máximo na cruz – voluntariamente e inocentemente – para nos trazer a esperança da vida e da santidade eternas.
Francisco (nome fictício para exemplificar o nosso Job) sofreu de violência doméstica com três meses de vida, durante 11 dias seguidos. Foi repetidamente maltratado e abandonado à sua sorte, sem capacidade de se proteger ou defender. Foi dado como morto e abandonado num hospital central da cidade onde vivia. O Francisco não fez nada para merecer o sofrimento. Inocentemente, foi vítima do mal, que não provocou e não mereceu. À semelhança de Job que “contesta a verdade do princípio que identifica o sofrimento com o castigo do pecado” (SD, nº11). Voltaremos ao Francisco mais à frente neste texto.
O sofrimento existe e, diz-nos o Papa, que é, em si mesmo, experiência de mal. Não se trata de uma imposição de Deus, um desígnio ou mesmo uma vontade de Deus para a nossa vida. O sofrimento existe, mas Cristo fez dele a base mais sólida do bem definitivo. Ele viveu na sua própria carne o sofrimento e foi capaz de, nesse preciso momento de sumo sofrimento, sorrir, perdoar e salvar. Após todo o sofrimento e morte ressuscitou mostrando que a Glória eterna é muito maior. “Tal é o sentido do sofrimento: verdadeiramente sobrenatural e, ao mesmo tempo, humano; é sobrenatural, porque se radica no mistério divino da Redenção do mundo; e é também profundamente humano, porque nele o homem se aceita a si mesmo, com a sua própria humanidade, com a própria dignidade e a própria missão” (SD, nº31)
O Francisco vive hoje com limitações severas, um bebé perfeitamente saudável vive hoje cego, com insuficiências intelectuais e totalmente dependente da família que o acolheu nestas condições. O Francisco mantém no seu corpo as marcas do sofrimento que viveu, o sofrimento também faz dele a pessoa que é hoje e é amado pela pessoa que é, com tanta debilidade, tanta vulnerabilidade. “Cristo conserva no seu corpo ressuscitado os sinais das feridas causadas pelo suplício da Cruz: nas suas mãos, nos seus pés e no seu lado. Pela ressurreição, manifesta a força vitoriosa do sofrimento” (SD, nº25). A mudança que Francisco e o seu sofrimento provocaram e provocam na família que o acolheu, na escola e na sociedade é imensurável. A força do sofrimento que o Francisco passou é a força com que ama e é amado, tornando-se colaborador de Cristo na redenção do mundo.
Falar da vida, do amor e do sofrimento faz todo o sentido 40 anos após a carta Salvifici Doloris do Papa João Paulo II. E faz sentido falar deste assunto, não com teorias abstratas, mas no concreto de experiências verdadeiras. “Cristo não explica abstratamente as razões do sofrimento; mas antes de mais nada, diz: «Segue-Me!»” (nº26). Por isso nos dias 10 e 11 de fevereiro de 2024 vamos juntar as pessoas que sofrem, os seu cuidadores e amigos num fim-de-semana em Fátima à volta da mesa, a propósito do Dia Mundial do Doente, a falar do mistério do sofrimento.
Se se quiser juntar a este encontro não hesite em contactar-nos, teremos muito gosto em contar com a sua presença!
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* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.