1. Como mel para a boca
Em Church, o rapper Macklemore conta que “o papá e a mamã tinham o hábito de os levar à igreja” e termina a explicar que, já adulto, “dão-se certas coisas, certas situações, e dou-me conta que Deus age através de mim, se eu aceito ser seu instrumento”*…
*“Things appear, and situations appear.
And I realize, that’s God working through me, if I allow myself to be that vessel”
2. Um texto bíblico
No dia em que te apresentaste diante do Senhor, teu Deus, no Horeb, o Senhor disse-me:
– Reúne-me o povo, a fim de ouvirem as minhas palavras, aprenderem a temer-me durante todo o tempo da sua vida na terra e assim ensinarem aos seus filhos.
Aproximastes-vos, então, e ficastes junto do monte; o monte estava abrasado em fogo, que se erguia até ao mais alto dos céus, coberto de nuvens e de nevoeiro.
O Senhor falou-vos, então, do meio do fogo;
ouvistes o som das palavras, mas não vistes figura alguma:
Era apenas uma voz.
Ele deu-vos a conhecer a sua aliança,
ordenando-vos que cumprísseis os dez mandamentos que Ele escreveu em duas tábuas de pedra.
O Senhor ordenou-me, então, que vos ensinasse as leis e os preceitos
que deveis cumprir na terra para onde ides, para tomardes posse dela.
Deuteronómio 4,10-14
3. O esclarecimento
“Igreja”, “sinagoga”: encontramos mesmo estes termos no Antigo Testamento?
Nós decidimos ir à procura da origem destas palavras…
| Reunidos para escutar a Palavra |
Por detrás da ordem que Deus dá a Moisés: “Reúne-me (o povo)”, esconde-se uma das palavras mais importantes da Bíblia: o termo hebraico QaHal. No antigo Testamento, este termo é utilizado quando se quer fazer referência às reuniões solenes do Povo eleito, diante de YHWH, o seu Deus.
O termo foi traduzido em grego, na tradução dos LXX, com o recurso a duas palavras, que descrevem as duas facetas destas reuniões:
– ekklêsia, que deriva de uma raiz que significa “chamar” e que deu origem à palavra “igreja”;
– e sunagôgê, que deriva de uma raiz que significa “reunir” e que deu origem à palavra “sinagoga”.
QaHal designa, por isso, essa reunião do povo, no sopé do monte Sinai, para escutar a Palavra de Deus. Esta reunião primeira serviu de modelo às assembleias cultuais do povo eleito na Antiguidade e até aos nossos dias: judeus e cristãos continuam a reunir-se nas igrejas e sinagogas para celebrar a Palavra de Deus que aí os chama.
| A origem da palavra “religião” |
A palavra “religião” tem uma origem romana e não tem equivalente nem em grego nem em hebraico. Não aparece nos manuscritos bíblicos. É um termo que nasce na Roma Antiga, como nos recorda Alexandre Schmemann, no seu livro Le chemin historique de l’orthodoxie (“O caminho histórico da ortodoxia”):
“Como todos os Estados da Antiguidade, Roma possuía os seus deuses e a sua religião nacional oficial […] Roma não exigia dos seus cidadãos senão uma participação exterior no culto, como forma de exprimir a lealdade para com ela. Bastava queimar uns grãos de incenso diante das imagens dos deuses nacionais, aclamar o imperador como “Senhor”, em suma, cumprir um ritual. Uma fez satisfeitas estas obrigações, cada um era livre de procurar onde quisesse uma fé autêntica ou o sentido da vida.”
Percebe-se bem que uma tal “religião” não tinha necessidade dum qualquer chamamento divino para funcionar…
| A RETER |
- As palavras “igreja” e “sinagoga” provêm do texto da tradução grega dos LXX, ao contrário do termo “religião”. O termo “religião” designava, no império romano, um conjunto de ritos destinados a construir a unidade social.
- As palavras “sinagoga” e “igreja”, pelo contrário, fazem referência ao chamamento pelo qual Deus reúne o seu povo. Este povo designa-se a si mesmo como “a Sinagoga” e “a Igreja”.
- A Igreja e a Sinagoga são o fruto de uma resposta à Palavra de Deus. Na Igreja, o crente vai ainda mais longe: ele come a Palavra de Deus, porque acredita que Deus se fez carne em Jesus, o Verbo incarnado.
4. E ainda uma palavra final…
“A Igreja não é simplesmente […] uma espécie de Estado soberano, com as suas leis, os seus funcionários, o seu exército; em suma, um momento, mesmo se glorioso, da história dos homens.”
Georges Bernanos, Diário de um Pároco de Aldeia, 1936
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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