A generosidade dos jovens

O lugar para dormir, a boleia na hora certa e a dica preciosa que garantiu uma boa noite de sono. Foi dos jovens que Abel, nesta caminhada entre Loiola e Manresa, recebeu maiores gestos de caridade. Porque sem medo e preconceitos confiaram.

O lugar para dormir, a boleia na hora certa e a dica preciosa que garantiu uma boa noite de sono. Foi dos jovens que Abel, nesta caminhada entre Loiola e Manresa, recebeu maiores gestos de caridade. Porque sem medo e preconceitos confiaram.

Quando se viaja confiado na Providência, é certo que Deus colocará no caminho alguém para nos acudir. Mas nesta viagem de Abel por terras espanholas, seguindo os passos de Santo Inácio entre Loiola e Manresa, o jesuíta sentiu-se particularmente tocado pelos jovens. Foram eles, relata, que, “vendo um humilde peregrino a necessitar de ajuda, não tiveram preconceitos nem medo, confiaram”.

Apenas três exemplos dessa generosidade.

Ao chegar de noite a uma povoação, o P. Abel aproximou-se de um grupo de jovens que estava sentado num café, perguntando-lhes por um sítio para dormir. Uns indicaram os bancos dispostos na praça, outros não deram troco à conversa, mas um deles sentiu-se interpelado pelo peregrino e respondeu: “Vou-te deixar dormir no meu carro”. Raul, era o seu nome, levou-o até ao local onde estacionara o seu veículo desportivo e, num gesto de total confiança, indicou-lhe o banco da frente ao lado do condutor para descansar. Exausto, Abel alegrou-se com a oferta e enfiou-se no saco de cama pronto para dormir. Mas não passaram dez minutos até Raul voltar atrás. Tinha uma proposta ainda melhor para lhe oferecer: deixá-lo passar a noite numa casa, uma espécie de clube onde os jovens se reuniam à noite para conviver.

O jesuíta aceitou e assim que os rapazes deixaram o espaço, como combinado pelas 23.00, deitou-se e dormiu profundamente. “Fiquei tão agradecido que no dia seguinte escrevi-lhe uma carta e fui entregar à casa onde ele me dissera que morava. Fui recebido pela sua avó”, relata Abel, acrescentando que a atitude do jovem também emocionou a sua família.

Outra história, vivida uns dias depois, foi uma nova prova de que os mais novos são, por vezes, os mais capazes de confiar. Apesar das marcas a assinalar o caminho, e do guia que levava consigo, Abel perdeu-se. Percorreu zonas de montanha e searas até chegar a uma falésia, junto à linha do comboio, uma espécie de beco sem saída. Foi então obrigado a percorrer 30 metros entre silvas e canaviais. “Levava a mochila a abrir caminho, era a minha espada. Mas saí de lá em sangue, parecia um flagelado”, recorda. No final deste calvário, encontrou três jovens que pescavam tranquilamente no Rio Ebro, com os quais trocou algumas informações sobre o caminho a tomar e os 15 quilómetros que ainda tinha de percorrer até chegar à povoação. Cansado e dorido, o jesuíta seguiu viagem, mas dez minutos à frente foi surpreendido por dois dos três jovens que tinham pegado no carro e agora se ofereciam para o levar ao seu destino. “Tiveram compaixão de mim e vieram oferecer-me boleia, deixando-me à porta da igreja da localidade para onde ia”.

O último episódio destacado pelo P. Abel como exemplo da generosidade dos jovens começou com uma rejeição que depois abriu portas a uma doação. O peregrino pelos passos de Inácio tinha chegado a Montserrat mas o alojamento possível tinha um custo de 6 euros, o que o obrigou a ter de pedir dinheiro à porta do hotel. Foi de imediato expulso do local pelo jovem que estava na receção, até de forma rude. Mas foi o mesmo rapaz que, depois, saiu do hotel, mostrou-lhe um mapa e deu-lhe uma dica preciosa: se subisse até à ermida no cimo do monte, encontraria um local para ficar. Foi o que fez. A muito custo, caminhou durante meia hora a subir escadas, até chegar a uma pequena casa onde antigamente os monges passavam meses em solidão e que funciona agora como ponto de apoio para quem faz escalada na região. Um rapaz tomava conta desse espaço e, apesar de lhe ter pedido 5 euros pelo alojamento, Abel conseguiu pernoitar no espaço sem qualquer custo. “Ainda me fritou uma fatia de pão com azeite e queijo, que foi o meu jantar. Parecia que estava no céu”, recorda o padre jesuíta, agradecido.

 

E eu, que capacidade tenho de acolher e confiar no que é diferente e desconhecido?

 

 

Nos Passos de Inácio I

Nos Passos de Inácio II

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.