A floresta de hoje não deve ser a floresta de amanhã

Com o claro aumento das secas e ondas de calor, estamos num cenário de aumento de temperatura e eventos meteorológicos extremos com tendência a agravar-se o risco de grandes fogos com enormes consequências económicas, sociais e ambientais.

Com o claro aumento das secas e ondas de calor, estamos num cenário de aumento de temperatura e eventos meteorológicos extremos com tendência a agravar-se o risco de grandes fogos com enormes consequências económicas, sociais e ambientais.

É inegável que a frequência com que os fogos rurais vão fustigando o território coloca em causa a efetiva recuperação dos valores naturais, em especial quando se trata de territórios que fazem parte de áreas que foram classificadas devido à sua importante para a conservação de espécies da fauna e da flora. Por outro lado, a perda de floresta tem um impacto direto na economia. Por outro lado ainda, cada incêndio tem como consequência a perda efetiva de matéria-prima que faz falta à indústria nacional da madeira e derivados, ou da pasta de papel, assim como uma perda direta de rendimento por parte dos proprietários afetados. A frequência com que os incêndios vão afetando os mesmos territórios é um problema acrescido e um desincentivo ao investimento.

A cada novo período de flagelo com grandes incêndios, a abordagem noticiosa é na maioria das situações muito direcionada para questões muito lineares e os milhões que são gastos ou que faltam para o combate ou a prevenção dos fogos rurais. Contudo, o problema é complexo, e a solução não é simples nem se compadece com uma lógica de pensos rápidos ou mezinhas paliativas. É necessário ir ao cerce da questão e mudar o paradigma da floresta portuguesa.

O que assistimos hoje resulta da evolução das políticas, ou da ausência de políticas, para a floresta das últimas décadas e que não conseguiram acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade, as alterações na ocupação e ordenamento do território e, mais recentemente, o impacte resultante de um cenário de alterações climáticas que de forma sobressaltada nos acorda para uma realidade dura e com grandes ameaças quanto ao futuro.

Nas regiões onde o impera o minifúndio, a capacidade de gestão por parte dos proprietários é reduzida, porque em grande medida a pequena propriedade não dá retorno suficiente para fazer face aos custos com a gestão de combustíveis que se acumulam de ano para ano.

Segundo os dados oficiais do último inventário florestal realizado em 2015, cerca de 36% do território nacional estará ocupado por áreas florestais, das quais 95% estarão na mão de privados, sendo que em muitas situações se desconhece quem é o proprietário por ausência de um cadastro. E quando olhamos para o território, constata-se que existe uma grande dicotomia, com o sul do país onde predominam as grandes propriedades, ao passo que no centro e norte domina o minifúndio, em que a propriedade é constituída por parcelas que, em média, não ultrapassam o meio hectare. Para além disso, é importante não esquecer que a paisagem fortemente humanizada tem sofrido fortes alterações nas últimas décadas em resultado da perda de população nas zonas rurais e desertificação da paisagem. Nas regiões onde o impera o minifúndio, a capacidade de gestão por parte dos proprietários é reduzida, porque em grande medida a pequena propriedade não dá retorno suficiente para fazer face aos custos com a gestão de combustíveis que se acumulam de ano para ano. Acresce que, fruto da ausência de uma verdadeira política de ordenamento florestal, nas últimas décadas a aposta foi no sentido da produção florestal de uma forma algo desordenada que resultou na instalação de grandes manchas florestais contínuas com espécies de rápido crescimento, para abastecer a indústria do papel. A sua instalação nem sempre seguiu as melhores práticas, esquecendo deliberadamente a necessidade de uma adequada compartimentação da paisagem, assim como a manutenção do mosaico agroflorestal. É um conjunto de situações que resultam num problema acrescido no combate de fogos rurais em condições climatéricas adversas.

Para além disso, não pode ser esquecida a crise climática. Portugal é um dos países com maior vulnerabilidade às alterações climáticas e com uma urgente necessidade de adaptação. Com um claro aumento das situações de seca com maior duração e intensidade, um maior número de ondas de calor, também elas mais extensas e significativas, estamos num cenário de aumento de temperatura e de eventos meteorológicos extremos com tendência a agravar-se o risco de incêndios de grandes dimensões e enormes consequências económicas, sociais e ambientais.

Com um claro aumento das situações de seca com maior duração e intensidade, um maior número de ondas de calor, também elas mais extensas e significativas, estamos num cenário de aumento de temperatura e de eventos meteorológicos extremos com tendência a agravar-se o risco de incêndios de grandes dimensões e enormes consequências económicas, sociais e ambientais.

Com o diagnóstico feito, existe hoje um conjunto de políticas públicas que pretendem alterar o paradigma da paisagem, com a promoção de uma utilização multifuncional, onde há diversidade de usos do solo, onde há espaço para produção florestal, para a floresta de conservação com espécies autóctones, agricultura e muitas outras atividades que compartimentam e tornam a floresta mais resiliente aos incêndios. Mas para que tal seja uma realidade é necessária uma intervenção alavancada por investimento público, onde não sejam esquecidos o minifúndio e a remuneração dos serviços de ecossistema.

Mas tudo isto é um remédio que vai demorar várias ainda anos a implementar. Não se mudam paisagens de um dia para o outro. Dada a importância do tema, a ZERO em parceria com o Centro PINUS, está a implementar o projeto ForestWatch com o apoio do Programa Cidadãos Ativ@s (EEA Grants), com o qual pretendem ter um papel ativo na monitorização e influência das políticas públicas de gestão da floresta.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.