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Arrancou ontem, finalmente, a Economia de Francisco, que pode ser seguida por qualquer pessoa no YouTube. Infelizmente, não pudemos ir a Assis, mas, graças a estas contingências, o encontro promovido pelo Papa abre-se a todo o mundo, continuando a gerar oportunidades de conversa em cada país e em cada casa.
A par do evento, proponho-me a fazer um diário de bordo, para aqueles que não podem acompanhar a programação completa ficarem com uma ideia do que está a acontecer em Assis. Este diário não pretende ser um resumo exaustivo do dia, mas sim destacar alguns aspetos que me chamaram a atenção e assim, eventualmente, abrir o apetite para ir espreitar as conferências, que ficam disponíveis online.
No seu discurso de boas-vindas, D. Domenico Sorrentino, bispo de Assis, começou por invocar o Cântico das Criaturas, de S. Francisco de Assis: «Altíssimo, omnipotente, bom Senhor, a ti o louvor, a glória, a honra e toda a bênção. / A ti só, Altíssimo, se hão-de prestar e nenhum homem é digno de te nomear. / Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas…». Parece-me que esta é a maneira certa de começar a Economia de Francisco, louvando o Senhor, Criador de todas as coisas, em ação de graças pelo dom da vida e pela beleza da criação. De facto, vivemos num mundo repleto de bem e beleza e é importante reconhecê-lo.
Parece-me que esta é a maneira certa de começar a Economia de Francisco, louvando o Senhor, Criador de todas as coisas, em ação de graças pelo dom da vida e pela beleza da criação. De facto, vivemos num mundo repleto de bem e beleza e é importante reconhecê-lo.
Mas o nosso mundo é também um mundo ferido, pelo que o apelo de Cristo a São Francisco permanece profundamente atual e, hoje, dirige-se a todos nós: «Francisco, vai e repara a minha casa que, como vês, está em ruínas». É este o convite da Economia de Francisco — contemplar a nossa casa comum, tão cheia de vida, e colaborar na reparação das suas brechas (cf. também Is 58, 6-12 ou a versão musicada pelo P. Duarte Rosado, sj, ilustrada pelo P. Nuno Branco, sj).
O Cardeal Turkson, Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, também entrou em direto para arrancar o evento e lembrou que uma empresa é uma comunidade de pessoas que trabalha para um fim comum. Não é apenas uma máquina geradora de lucro. Turkson pediu ainda que se promova uma economia onde os bens são realmente bons, os serviços realmente servem e a riqueza é realmente rica.
Numa das conferências da tarde, “Perfecting Joy: three proposals to let life flourish”, foi feita uma sondagem rápida que perguntava aos participantes o que lhes trazia felicidade. Chamou-me a atenção que as três respostas mais dadas foram “família”, “amigos” e “amor”. Nenhum sinal de dinheiro, fama e poder: ídolos que tantas vezes buscamos a qualquer custo.
Segui, com particular interesse, a conferência “Peace economics and industrial reconversion: a recovery plan for the world”, onde a paz, mais do que segurança, foi apresentada como tranquilidade e bem universal. O conceito de bem universal vai muito para além do conceito de bem público. Bem público é aquele que pode ser consumido por várias pessoas ao mesmo tempo, sem impedir que outros o consumam. Por exemplo, as estradas ou um jardim público. Mas um bem universal é um bem que faz com que o meu bem-estar aumente quando outros têm mais desse bem. Quanto mais paz houver à minha volta, melhor eu vivo. O consumo de um bem público por terceiros não me prejudica, já o consumo de um bem universal por outros não só não me prejudica, como até me beneficia.
O conceito de bem universal vai muito para além do conceito de bem público.
Acompanhei, depois, a conversa “The state of food insecurity”, onde foi destacada a ameaça da pandemia à luta pela redução da pobreza e ao combate à subnutrição. A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) estima que, devido à pandemia, mais 88 a 115 milhões de pessoas caiam na pobreza extrema e que mais 83 a 132 milhões de pessoas sofram de subnutrição, o que representa um retrocesso enorme no trabalho que se tem vindo a fazer no mundo inteiro. São números verdadeiramente impressionantes, principalmente se nos lembrarmos que, por trás deles, estão pessoas que sofrem. Além disso, a Covid-19, que trouxe um choque inesperado ao mundo, está a acelerar e aumentar a automatização do trabalho agrícola e industrial, com custos no emprego, sobretudo das mulheres, e na desigualdade. Assim, é crucial que o uso da tecnologia seja acompanhado de medidas sociais e económicas, bem como de formação e educação adequadas, para que se torne mais inclusivo. Num tom mais esperançoso, foi mencionado um projeto do WFP (Programa Alimentar Mundial) no Malawi, que dá dinheiro às escolas, para que estas comprem alimentos aos produtores locais e sirvam refeições aos alunos. Desta forma, apoiam a economia local e aumenta a participação escolar das crianças, que podem aproveitar melhor a escola por estarem bem alimentadas.
No fim do dia, os portugueses que estão a participar neste evento encontraram-se online para partilhar ecos do dia, um momento muito necessário para nos lembrarmos de que não estamos nisto sozinhos. Aqui ressaltou, como resumo do dia, a palavra esperança e certamente a alegria de encontrar tanta gente que se foi conhecendo (virtualmente) ao longo dos últimos meses e que está desejosa de colaborar nesta nova economia.
Amanhã continua a Economia de Francisco!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.