Os dias que se avizinham afiguram-se intensos, não só para quem está atento às questões relacionadas com alterações climáticas, mas também para o cidadão comum, uma vez que teremos uma greve climática global, já não apenas estudantil, mas geral, i.e. intergeracional, e em duas datas muito próximas. A escolha da semana de 20 a 27 de setembro não é coincidência: é também no dia 23 de setembro que terá lugar a cimeira extraordinária das Nações Unidas sobre o clima, em Nova Iorque, convocada por António Guterres na última Conferência das Partes sobre alterações climáticas, na Polónia (COP24).
A movimentação cívica a pedir mais ambição na ação climática não tem paralelo na história. Ao ouvir o discurso de Severn Suzuki, em 1992, na Conferência Rio+ sobre Desenvolvimento Sustentável, sentir-me-ia tentado a dizer que o activismo de Greta Thunberg não constitui novidade. Mas logo me apercebo na invalidade desta comparação. Na infância de Suzuki, as preocupações eram outras ou incipientes (por exemplo, a destruição da camada de ozono, à qual se conseguiu dar resposta, ou a perda de biodiversidade, que hoje é bem mais violenta) e, hoje, face a uma maior consciência do leque alargado de problemas relacionados especificamente com o aquecimento global, a capacidade de mobilizar a sociedade civil pelo clima, de facto, não tem precedente: apenas em Bruxelas cerca de 60 mil pessoas saíram à rua em dezembro de 2018 e, em Portugal, nas duas greves climáticas estima-se que tenham participado à volta de 10 mil pessoas.
No entanto, e como acontece com todos os movimentos cívicos, existem várias formas de reacionarismo a este movimento global, normalmente relacionadas. Desde as formas mais declaradas, como a rejeição da expressão dos movimentos cívicos, que deveria ser o apanágio das democracias saudáveis, à desconfiança infundada na ciência (e.g. relatórios do IPCC), há uma forma de reacionarismo particularmente perigosa, porque insuspeita: aquela que se iliba das suas responsabilidades no moralismo ad hominem, pedindo uma super-coerência no estilo de vida de quem pede mais acção climática. Algo que, tipicamente, se expressa no argumento: “Não vale a pena manifestares-te se não és vegetariano / andas de carro / fazes mal a reciclagem”. Este reacionarismo, que é uma forma de desencorajamento, esquece-se de que a resposta à emergência climática é fundamentalmente política e de grande escala, uma vez que, por exemplo, apenas 100 empresas no mundo emitem 71% dos gases de efeito de estufa…[1]
Acrescendo à confusão de conceitos e problemas, como normalmente sucede com a mistura de temas como os resíduos e o aquecimento global – que não têm grande relação – , qualquer pessoa de boa vontade, preocupada com o bem comum, questiona-se se fará realmente a diferença adoptar mudanças no seu estilo de vida, seja porque há um novo estudo que nos diz que afinal determinada opção não é sustentável, seja porque se sente infinitamente pequena diante dos grandes poluidores e da inércia política.
A resposta é clara: vale absolutamente a pena fazer mudanças no estilo de vida, mais do que não seja porque uma vida mais coerente ajuda-nos a reforçar os nossos compromissos cívicos, e não o inverso. O ativismo deve começar por dentro, por uma conversão interior. É este, aliás, o desafio para cada cristão: o convite à mudança de estilos de vida é muito mais do que uma medida eficaz. É um convite a uma conversão ecológica profunda e que se enquadra nos ensinamentos da Igreja, não como um apêndice ou um extra na vida do crente, mas como algo absolutamente estrutural na vivência da fé. No Compêndio da Doutrina Social da Igreja podemos ler:
«A atitude que deve caracterizar o homem perante a criação é essencialmente a da gratidão e do reconhecimento: de facto, o mundo reconduz-nos ao mistério de Deus que o criou e o sustém.» (§486)
Quão diferente é agir pelo clima partindo do agradecimento do que a partir do medo da catástrofe! Só dessa forma conseguiremos verdadeiramente uma transição justa, sem deixar ninguém para trás,
Para quem fez Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loiola, também esta experiência de gratidão é conhecida, sobretudo na Contemplação para Alcançar Amor, que nos convida insistentemente a reconhecer os dons de Deus na Criação. Quão diferente é agir pelo clima partindo do agradecimento do que a partir do medo da catástrofe! Só dessa forma conseguiremos verdadeiramente uma transição justa, sem deixar ninguém para trás, e que efectivamente trate a Natureza como aquilo que ela é: um dom para o ser humano e não um recurso para alguns. Também a Doutrina Social da Igreja nos diz algo sobre isto:
«A questão ecológica não deve ser abordada somente pelas aterrorizantes perspetivas que a degradação ambiental perfila: esta deve traduzir-se, sobretudo, numa forte motivação para uma autêntica solidariedade de dimensão universal.» (§487)
Esta ideia do valor intrínseco da Criação como dádiva amorosa de Deus e o princípio do destino universal dos bens deviam ser suficientes para nos fazer querer mudar os comportamentos e envolvimento na sociedade. A vivência profunda da ecologia é a proposta da Igreja e para isso devemos dar-lhe o seu lugar, muitas vezes esquecido, na nossa oração diária e exame de consciência: as escolhas que faço no meu consumo respeitam a harmonia da Criação? Ou escolho só o que é mais rápido e indolor? Certamente que um caminho de oração deste tipo levará a uma participação muito mais inteira e autêntica nos movimentos cívicos que fazem pelo clima, se nos sentirmos chamados a isso.
Conscientes de que não nos esgotamos nas boas intenções, proponho para esta semana do clima e para o Tempo da Criação que estamos a viver, a participação na Oração pela Criação, organizada pelo Movimento Católico Global pelo Clima, que terá focos no mundo inteiro e que em Lisboa já está a ser organizado, nos dias 20 e 27 de setembro, às 19.00 na Igreja de Nossa Senhora da Conceição; e sugiro, também, que considere usar estas coordenadas ilustradas para um Exame de Consciência Ecológica, produzidas pela organização inglesa CAFOD.
Que no fim do nosso exame não sintamos o peso da culpa, por não ter agido em total conformidade com a nossa consciência, pois esse é o primeiro passo para a desistência. Sintamos, com muito mais força, que o «bem tende a comunicar-se» (Papa Francisco, Envagelii Gaudium §9) e que «o amor se deve pôr mais nas obras que nas palavras». (EE §230)
[1] Carbon Majors Report / Climate Accountability Institute, 2017
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.