1. Como mel para a boca
Acompanhado por um coro, a voz grave inimitável de Johnny Cash, que canta a cruz e a ressurreição de Cristo, ressoa no contexto vintage de um estúdio de televisão dos anos 60.
♪ Were you there when they crucified my Lord ♫
https://www.youtube.com/watch?v=PeJkbSi0vMA
2. Um texto bíblico
Ao longo dos 7 domingos do tempo pascal, propomos um mergulho nos relatos da Páscoa e da Ressurreição. Continuamos hoje com o relato em que Maria Madalena anuncia a Pedro e a João o desaparecimento do corpo de Cristo do túmulo.
No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo logo de manhã, ainda escuro, e viu retirada a pedra que o tapava. Correndo, foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo, o que Jesus amava, e disse-lhes:
– “O Senhor foi levado do túmulo e não sabemos onde o puseram.”
Pedro saiu com o outro discípulo e foram ao túmulo. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo correu mais do que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. Inclinou-se para espreitar e viu que os panos de linho estavam espalmados no chão, mas não entrou. Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no túmulo e ficou admirado ao ver os panos de linho espalmados no chão, ao passo que o lenço que tivera em volta da cabeça não estava espalmado no chão juntamente com os panos de linho, mas de outro modo, enrolado noutra posição. Então, entrou também o outro discípulo, o que tinha chegado primeiro ao túmulo. Viu e acreditou.
Evangelho segundo São João 20,1-8
3. O esclarecimento
O texto do Evangelho de São João, pela sua finura, estrutura e sensibilidade para os pormenores, é uma jóia literária. Este texto contém tesouros que se deixam descobrir aos poucos, como um bom vinho que, ao envelhecer, revela novas subtilezas.
No relato da descoberta do túmulo vazio, é preciso debruçarmo-nos sobre a utilização dos verbos para descobrir uma pérola. Uma vez que a tradução para Português é insuficiente, propomos a sua versão em Grego para a descobrir:
– Quando «o discípulo que Jesus amava» chega em primeiro lugar ao túmulo, ele não entra. Mais novo, acaba de ganhar a Pedro na corrida que fizeram, mas não quer entrar sem ele: é rápido, mas educado. Entretanto, não pode evitar debruçar-se para «βλέπει» [blepei], para dar uma vista de olhos. A versão portuguesa traduz por “viu”, mas é preciso explicitar que se trata de um olhar rápido de alguém curioso.
– Depois chega Pedro, que entra no túmulo. Aí ele «θεωρεῖ» [theorei]. Aqui, em português, a tradução tem a expressão “ficou admirado ao ver”: trata-se de uma observação atenta. Pedro examina com um olhar cuidadoso os panos, o túmulo vazio. Interessa-se por coisas concretas que estão ali e apercebe-se de que Jesus não está ali.
– O primeiro discípulo entra, por fim, e «εἶδεν» [eiden], “viu”. E é vendo que ele acredita. O seu olhar não é uma simples constatação da ausência de Jesus, é um olhar que penetra a ausência aparente para perceber a presença invisível daquele que já não está ali. A ausência torna-se, para ele, sinal de uma presença.
Aqui, o discípulo, vendo, faz a experiência de olhar mais além: ele percebe o sentido invisível, tem um olhar metafísico sobre a realidade. Os dois elementos da palavra metafísico, em grego: “meta” e “phusis”, significam, literalmente, «para lá do físico».
Eis um olhar de esperança sobre a humanidade: através da ausência visível dos mortos, perceber a sua presença invisível. Para um cristão, esta esperança universal tem a sua raiz em Deus feito homem, que ergueu da morte a sua carne ferida e que está sempre visível, para lá daquilo que é visível.
4. E ainda uma palavra final…
Ao usar três verbos diferentes, o texto revela três matizes diferentes do olhar. O autor do Evangelho, com a sua arte, oferece-nos uma profundidade incomensurável, a descobrir sempre de novo.
A experiência da leitura de uma obra literária que desvela continuamente algo de novo faz-nos pensar na bonita frase de François-Xavier BELLAMY:
«Descobrir uma nova cultura, uma ciência, uma literatura, é ver o mundo animar-se pouco a pouco com uma infinidade de significados ainda longe das nossas suspeitas; é ler na realidade, ainda mal conhecida, as particularidade que aí permanecem adormecidas, à espera de serem descobertas.»
François-Xavier BELLAMY, Les déshérités ou l’urgence de transmettre, Paris, Plon, 2014.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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