A alegria de sermos uns para os outros

Dia de Voluntariado do Círculo de Xavier decorreu a 24 de fevereiro numa aldeia do concelho de Penela. Um dia para replantar as árvores que o fogo levou mas também para viver uma verdadeira experiência comunitária.

Dia de Voluntariado do Círculo de Xavier decorreu a 24 de fevereiro numa aldeia do concelho de Penela. Um dia para replantar as árvores que o fogo levou mas também para viver uma verdadeira experiência comunitária.

“Na noite do dia 17 para 18 de Junho de 2017 os habitantes da Ferraria de S. João viram a aldeia cercada por um grandioso incêndio e com os escassos meios que possuíam, uniram-se no combate às chamas e à proteção dos seus bens. Com toda a envolvente da aldeia queimada e ainda a recuperar da trágica noite, os moradores decidiram que não queriam voltar a viver estes trágicos momentos e mobilizaram-se em torno de um interesse comum – a criação de uma Zona de Proteção à Aldeia (ZPA).”

Fazer uma madrugada, ao fim-de-semana, custa. Mas a aldeia da Ferraria de S. João é longe, a mais de duas horas de autocarro… o que tem de ser tem muita força, não é? Portanto, alvorada às seis e meia para estar no ponto de encontro às sete e meia, frente à Igreja de Cristo Rei, no Porto. Através do Círculo Xavier reuniu-se um grupo de 30 adultos, adolescentes e jovens, prontos a arregaçar as mangas e a ajudar a reflorestar a aldeia da Ferraria de S. João, no concelho de Penela.

Assim que chegámos fomos recebidos pelo Pedro, a Patrícia e o Ricardo. O Pedro – e a Sofia – são um jovem casal que se mudou para a aldeia há uns anos. Têm um turismo de habitação e promovem férias de aventura e são pais de um par de gémeos de cinco anos que, juntamente com mais duas crianças, constituem a única população infantil da aldeia: 10%, numa população de 40 pessoas, a maioria idosos. A Patrícia e o Ricardo têm uma casa de fim-de-semana na Ferraria de S. João. Juntos, após os devastadores incêndios de junho do ano passado, arregaçaram as mangas e propuseram-se a tarefa hercúlea de reflorestar e recuperar a zona ardida.

A aldeia é pequena e bonita, com telhados cobertos de pedras para evitar que ventos mais fortes levem as telhas que só estão pousadas. Uma verdadeira aldeia portuguesa.

Nesse dia o plano era plantar árvores de fruto logo ao lado da aldeia. A ideia é criar um perímetro de segurança que proteja a aldeia e, ao mesmo tempo, ofereça aos habitantes a possibilidade de tirarem dividendos das árvores.

Fomos divididos em grupos de três e a cada participante deram uma árvore.

“Só uma?”, pensámos. “Vamos fazer isto num instante.” Mas nem sempre o que parece é, como viríamos a descobrir.

Armados com árvores, picaretas, pás, tubos de proteção, estacas, bate-estacas e enxadas, lá fomos para o sítio designado. De frente para a aldeia, a vista é linda: casas brancas com telhados de telha, campos verdes, sobreiros majestosos, pequenas hortas e quintais. Para trás, só há negro a perder de vista. Tudo queimado, tudo morto.  A paisagem é um campo cor de grafite, coberto de troncos de árvores amputados de ramos. O silêncio faz-se ouvir de um modo opressivo.

Antes, no briefing informativo que nos fizeram, mostraram um mapa da zona ardida e do local onde estávamos. Um ponto verde minúsculo numa área negra monstruosa. Impossível não ficar com o coração amarfanhado. Quem não tem gente jovem e dinâmica, como estes casais, como faz?

Para plantar uma árvore de fruto, o buraco tem de ser grandinho e fundo. Depois é preciso aspergi-lo com água oxigenada (protege a raiz), deitar fertilizante e tapá-lo, colocar a árvore e uma estaca, tapar o buraco, pisá-lo bem para a terra ficar bem prensada e não abrir fendas, criar um “tapete” à volta do tronco com pedras e uma inclinação que permita agregar água da chuva. Depois, cobrir o tronco com um tubo de proteção de veados (se não os adoráveis bichinhos chamam “um figo” à plantação nova) e etiquetar a estaca com o nome da árvore.

Plantaram-se nogueiras, cerejeiras e castanheiros.

Começámos a cavar. O solo é bom, mas aquela zona ardida tinha eucaliptos e as raízes tornam difícil escavar. Primeiro usámos a enxada, mas às tantas já todos reclamavam as picaretas, porque chegam mais fundo. O dia estava maravilhosamente ensolarado. Cavar, dobrar as costas, levantar e baixar os braços… ao fim de 15 minutos já está tudo ofegante e a tirar casacos, camisolas, pullovers. Que canseira, meu Deus! A vida no campo não é fácil! Pega-se no bate-estacas, para que este entre bem dentro da terra e fique firme, mas a ferramenta é tão pesada que quase se cai para trás. Puxa! Não era isto que estávamos à espera. Afinal, plantar uma árvore por pessoa não é assim tão pouco! No fim, plantámos quase 50 árvores. Deu gosto olhar para o terreno preto, coberto de paus enfiados com tubos porque sabíamos que aquele negro é temporário. A Primavera, ali, vai acontecer, se Deus quiser.

Depois da jornada de trabalho, esperava-nos um almoço tão gentilmente oferecido pela Cáritas. Sopa de legumes maravilhosa e jardineira de polvo deliciosa. Que nos perdoem os maîtres gourmets do nosso país, mas aquele almoço estava uns pontos acima de qualquer cuisine. Para finalizar, as laranjas mais sumarentas do país ou um delicioso bolo de chocolate. Que delícia o almoço e que delícia observar a vida comunitária. Duas grandes bacias de água quente, no meio do jardim. Quem terminava o seu prato (adulto ou criança) lavava a louça na primeira bacia e passava por água limpa na segunda. E assim, duas bacias de água deram para lavar a louça de 40 pessoas. Que grande lição de trabalho de equipa, poupança e ecologia!

Depois de jiboiarmos o almoço deitados na relva, encostados aos muros de pedra, reunimo-nos debaixo de um grande sobreiro, para agradecer a Deus aquele dia.

A missa, celebrada pelo P. José Eduardo Lima, sj  juntou o grupo de voluntários e os habitantes da aldeia que se encontravam por lá. O Pedro, ao longo da manhã, foi avisando que à tarde haveria missa, um luxo raro por aqueles lados.

E assim, de coração cheio agradecemos a Deus o dia lindo que proporcionou. Agradecemos a Deus a generosidade dos nossos voluntários, que deram o seu dia de sábado em prol de uma comunidade desconhecida e longínqua. Agradecemos a Deus o ambiente equilibrado, de partilha e de alegria entre pessoas de gerações diferentes. Agradecemos a Deus a tenacidade daquelas pessoas. Agradecemos a Deus a valentia dos jovens casais que criaram o grupo Eu fiz acontecer (#eufizacontecer#) abrindo a porta à esperança da recuperação. Agradecemos a Deus a capacidade de não ceder à tentação da preguiça, levantar cedo e ir ao encontro de quem precisa. Agradecemos a Deus a possibilidade de, com Ele, sermos para os outros.

Havemos de voltar à Ferraria de S. João. Ainda há muito trabalho a fazer e braços fortes e vigorosos valem ouro, por aquelas bandas. Quando voltarmos avisamos. Pode ser que possa vir connosco.

Pode acompanhar todos os passos da plantação e da criação da ZPA no facebook da AMFSJ – https://www.facebook.com/ferrariadesaojoao/

Círculo Xavier

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.