8 de março: um dia para apontar caminhos e fazer exigências

A crise sanitária provocada pela pandemia não pode ser desculpa para fazer regredir direitos das mulheres ou abrandar o combate às diversas formas de exploração e violência.

A crise sanitária provocada pela pandemia não pode ser desculpa para fazer regredir direitos das mulheres ou abrandar o combate às diversas formas de exploração e violência.

“NÃO HÁ DESCULPA PARA RETROCESSOS. VIVER DIREITOS, VENCER VIOLÊNCIAS”, é o lema do Movimento Democrático de Mulheres para o Dia Internacional da Mulher em 2021. Hoje, mais do que nunca, faz todo o sentido assinalar este dia porque, apesar de já se ter feito um longo caminho em matéria de conquistas nos direitos das mulheres, subsistem ainda muitas formas de discriminação.

O MDM, fundado em 1968, que se assume como movimento de opinião e de intervenção, tem como objetivo central a luta pela emancipação das mulheres, pela paz e pela dignidade humana, valores indissociáveis na defesa de uma sociedade de igualdade, democracia, justiça social e desenvolvimento. Muito tem feito ao longo destes 53 anos para unir as mulheres na defesa dos seus direitos e interesses como cidadãs, trabalhadoras e mães, pugnando pela igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, denunciando e lutando contra todas as formas de discriminação, lutando pelo direito ao trabalho, contra a discriminação salarial, denunciando e lutando contra todas as formas de violência que atingem as mulheres e ferem a sua dignidade. Refira-se a violência doméstica, mas também a prostituição e o tráfico de seres humanos.

O relatório sobre os progressos realizados na luta contra o tráfico de seres humanos de 2016 da Comissão Europeia demonstra que na Europa mais de 76% das vítimas de tráfico de seres humanos são mulheres e pelo menos 15% são crianças. As mulheres e as crianças são 95% no total de pessoas traficadas para fins de prostituição.

É urgente exigir que se dê cumprimento às normas europeias sobre o tráfico de seres humanos, reforçar a prevenção e combate à violência doméstica e garantir a proteção adequada das mulheres e crianças, com respostas públicas articuladas.

É urgente exigir que se dê cumprimento às normas europeias sobre o tráfico de seres humanos, reforçar a prevenção e combate à violência doméstica e garantir a proteção adequada das mulheres e crianças, com respostas públicas articuladas. É urgente reconhecer a prostituição como flagelo social e exploração, grave forma de violência sobre as mulheres e crianças e criar programas de saída e de apoio às suas vítimas.

Segundo o Papa Francisco, (Fratelli Tutti) “a organização das sociedades em todo o mundo está ainda longe de refletir com clareza que as mulheres têm exatamente a mesma dignidade e idênticos direitos que os homens”. As palavras dizem uma coisa, mas as decisões e a realidade gritam outra. Com efeito, “duplamente pobres são as mulheres que padecem situações de exclusão, maus-tratos e violência, porque frequentemente têm menores possibilidades de defender os seus direitos”

Esta pandemia está a ter um impacto terrível e desproporcional na vida das mulheres, tornando-as extremamente vulneráveis a múltiplas formas de violência na família, no trabalho e na sociedade. Há uma sobrecarga da vida familiar e doméstica nas mulheres. Muitas perderam um terço do seu salário, já baixo, para prestar assistência aos filhos porque as creches e as escolas estão encerradas. Muitas têm que conciliar o teletrabalho com a assistência aos filhos porque a sua vulnerabilidade não lhes permite exigir a assistência à família. Tem aumentado a violência, incluindo a violação e a exploração sexual, a prostituição e o tráfico de mulheres. Neste contexto de pandemia, são as mulheres que estão na linha da frente: trabalham na saúde, nas fábricas, nas escolas, nas limpezas, na área da ação social e nos supermercados. O desemprego disparou e o rendimento caiu brutalmente. A precariedade e os baixos salários agravam a exploração, expõem as mulheres à chantagem para que não exerçam os seus direitos.

As mulheres estão a ser atiradas para a pobreza e exclusão social, para uma vida de extrema incerteza, insegurança e injustiça. Não tem de ser assim.

As mulheres estão a ser atiradas para a pobreza e exclusão social, para uma vida de extrema incerteza, insegurança e injustiça. Não tem de ser assim. A crise sanitária não pode ser desculpa para fazer regredir direitos ou abrandar o combate às diversas formas de exploração e violência. É uma violação dos direitos humanos. Uma ofensa ao estatuto social de todas as mulheres.

Para que haja uma mudança é preciso que as mulheres não fiquem quietas nem caladas, se unam e mostrem a sua indignação. Como mulher, como mãe, como cidadã e trabalhadora não posso deixar de me envolver e solidarizar com esta luta. Como católica e membro da CVX, Comunidade de Vida Cristã, a minha missão é seguir Jesus Cristo e trabalhar com Ele na construção do Reino, na construção de um mundo melhor. Como cristã comprometida, é dar testemunho dentro da Igreja e na sociedade dos valores humanos e evangélicos que afetam a dignidade da pessoa. É unir a fé com a vida de todos os dias. É como nos ensina Santo Inácio de Loyola: “Ver Deus em todas as coisas”.

É urgente trabalhar pela justiça através de uma opção preferencial pelos pobres, pelos mais vulneráveis. Como lembrou o Papa Francisco em agosto de 2020, na senda de São João Paulo II: “A opção preferencial pelos pobres está no centro do Evangelho. E quem a fez primeiro foi Jesus … Ele, sendo rico, fez-se pobre para nos enriquecer. Fez-se um de nós e, por isso, no centro do Evangelho, no centro do anúncio de Jesus há esta opção… Alguns pensam erradamente que este amor preferencial pelos pobres é uma tarefa para poucos, mas na realidade é a missão de toda a Igreja.

Por tudo isto, o dia 8 de março é um dia de luta para denunciar estas desigualdades, apontar caminhos e fazer exigências. Parafraseando a 1.ª Carta de João (4, 20): “Aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.