10 ideias de direitos humanos, hoje

Nos 73 anos da declaração universal dos direitos humanos, que se assinala hoje, estejamos atentos para agir. Os problemas contam com o silêncio e a indiferença de quem quer e os pode resolver: todos nós.

Nos 73 anos da declaração universal dos direitos humanos, que se assinala hoje, estejamos atentos para agir. Os problemas contam com o silêncio e a indiferença de quem quer e os pode resolver: todos nós.

Lembro-me das aulas de física e química, as que eram no laboratório e em que fazíamos, sob orientação dos professores, experiências controladas que para nós não tinham controlo nenhum. Havia sempre um certo desconhecido à frente. Nunca sabíamos muito bem o que ia acontecer. E era essa a magia. Havia sempre um certo deslumbramento, como quando testemunhamos coisas maravilhosas que surgem inesperadamente, como quando uma criança vê por estes dias alguma árvore de Natal e fica maravilhada com a criação que tem diante de si.

É nisto que penso quando observo o mundo hoje e o contemplo com alguma distância lúcida. Quando imagino o que dirão de nós os historiadores no futuro.

Estamos num tempo de tensão, de desafios, de forças que se confrontam e parece-me que estamos perto do ponto de ebulição, do momento decisivo da História em que o mundo se pode transformar. Já não é uma experiência em contexto de sala de aula. É o mundo, ao vivo, e o que fizermos com ele enquanto seres humanos.

Neste Dia Internacional dos Direitos humanos são 10 as frentes sob as quais é necessário estarmos alerta e agir. A bem da humanidade.

1.O clima, o ecossistema que nos sustenta
Vivemos juntos numa casa comum. O planeta Terra dá-nos tudo o que necessitamos para viver. É ele que suporta a segunda geração dos Direitos Humanos plasmados na Declaração Universal que hoje é aniversariante. Os direitos económicos, sociais e culturais vêm todos da nossa casa comum: toda a nossa comida, roupa, os metais nos nossos telemóveis, a madeira dos nossos móveis, o papel, tudo vem da Terra. Tudo é dela extraído e a economia em que vivemos quase se resume à extração e à transformação.

A nossa casa é finita nos seus recursos. Necessitamos de os consumir de forma sustentada e sem desequilibrar o planeta. Não o estamos a fazer. A escassez é uma realidade para muitas pessoas no mundo e as alterações climáticas aceleradas pela poluição estão a colocar ainda mais em causa a saúde do meio ambiente e do ecossistema que tudo nos dá.

Em algumas regiões do mundo, as secas, as cheias e inundações já causam fome e mobilidade humana forçada. Precisamos de ação liderante para que não percamos o nosso chão de vida, o nosso alimento de cada dia.

2. Os conflitos e a busca incessante por poder, para se servir e não para servir
Os recursos de que falava acima são a razão de muitos conflitos. Quem dominar os territórios, os estados, tem controlo sobre a riqueza extractivista. Vários conflitos que existem no mundo não têm razões de fundo que não a vontade de poder, a vontade de dominar, a vontade de algumas lideranças se servirem dessa posição de poder. Nos últimos anos as democracias liberais têm recrudescido, dando lugar a regimes autoritários que não hesitam em subjugar os outros às suas vontades e impor-lhes um regime único de pensamento económico, político e por vezes até religioso, à procura de legitimação, perseguindo outras religiões até.

3. A pobreza extrema como fenómeno mundial
Nesta dinâmica de desequilíbrio, os interesses económicos ficam sempre à frente dos direitos humanos e as pessoas em circunstâncias de maior vulnerabilidade são as que sempre sofrem mais, as que vivem de forma mais aguda a escassez de bens essenciais para a vida como a alimentação, uma habitação condigna, o acesso ao trabalho, o acesso à educação. A segurança. A pobreza afeta mais ainda países ricos em recursos, condenando de forma irremediável comunidades inteiras.

4. A mobilidade humana forçada
A humanidade sempre foi nómada, sempre viveu em mobilidade, desde a pré-história até aos dias de hoje. Mas essa mobilidade hoje é forçada, urgente. Pessoas que fogem do seu país de origem devido à pobreza extrema, devido aos conflitos bélicos, devido às alterações climáticas, devido a perseguição política, religiosa, de género ou orientação sexual.

Ficando em situação de vulnerabilidade e com menos voz para responder e se defender, são estas pessoas que as forças políticas mais populistas gostam de atacar e demonizar.

Para se apresentarem como heróis, necessitam de inventar ameaças e é geralmente a quem não se pode defender que acusam.

A ignorância e o oportunismo de alguns políticos estão a colocar em risco milhares de pessoas que à força tiveram de sair da sua terra e, como peregrinos, procurar um sítio onde pudessem viver. A solidariedade demora a chegar a tantos refugiados e migrantes. Para muitos que perderam a vida em travessias perigosas, já será tarde.

5. Tráfico de seres humanos
Neste mundo em ebulição, o tráfico de seres humanos merece um alerta significativo. Ele aproveita-se da pobreza e da mobilidade forçada. A exploração do outro, do dominador ao subjugado para obter daí ganhos, elimina os direitos humanos das vítimas. Em Portugal este é um problema grave e escondido, mas não invisível. Os homens são sobretudo vítimas de tráfico para exploração de trabalho em contexto agrícola. As mulheres são sobretudo vítimas de tráfico para trabalho sexual.

6. Direito à saúde
A pandemia evidenciou desequilíbrios já existentes. Apesar de ela não fazer aceção de pessoas, algumas podem proteger-se melhor do que outras. Necessitamos de pensar um modo de a sociedade civil e os Estados se poderem unir para garantir que este direito humano é cumprido. Outro desequilíbrio esmagador é o processo de vacinação. A falta de solidariedade para com os países com menos recursos para adquirir as vacinas teve um efeito de boomerang. As novas variantes estão a atingir os países com taxas de vacinação elevadas. O direito à saúde é inseparável do direito a um planeta com um bom ambiente, onde todas as pessoas sejam cuidadas. Somos parte da casa comum. Somos parte da criação. Todos, sem fronteiras.

7. A discriminação
A discriminação de pessoas continua a ser um problema. A humanidade não aprendeu as lições dos conflitos mundiais do século XX e que levaram à conceção de uma Declaração Universal dos Direitos Humanos feita por pessoas de vários pontos do mundo, de várias origens e etnias. Sem ponta de racionalidade, as pessoas continuam a ser discriminadas em vários pontos do mundo. Portugal não é alheio a isso. Há pessoas que por serem de ascendência africana, por serem de etnia cigana, por serem de outras nacionalidades, por serem mulheres, por serem homossexuais, por serem não-binárias, por serem cristãs, muçulmanas ou de outra religião são desconsideradas e até pior.

Os direitos humanos são um direito adquirido só pelo facto de termos nascido. Ainda nem todos compreenderam isto, especialmente os líderes políticos que demonizam estas pessoas, tentando com isso ganhar votos e poder.

8. A pobreza concreta do dia-a-dia
A pobreza é a mãe de todas as discriminações e muitas vezes o peso maior em cenários de multidiscriminação e intersecionalidade. A falta de meios de muitas famílias para uma vida digna condiciona tudo: o acesso à habitação condigna, à saúde, à alimentação, à educação, à participação social e política. Quando a pobreza é vivida por pessoas discriminadas por outras razões, o seu peso é ainda maior e o ponto de partida dessa pessoa é esmagadoramente difícil de ultrapassar. E essa pessoa é também invisível se ficarmos desatentos, indiferentes e se nada fizermos para a assistir de emergência ou para potenciar políticas públicas que permitam quem vive na pobreza sair dela.

9. As pessoas reclusas e a Justiça
A pobreza é também uma realidade esmagadora entre as pessoas que vivem em reclusão. A justiça tem três dimensões: a função punitiva; a função reparadora da vítima; a função de reinserção social da pessoa que foi punida. Quando pensamos em prisões, pensamos apenas em punição, e é assim que o Estado tem agido. Não há um verdadeiro investimento na reinserção social daqueles que, cometendo crimes, possam ser punidos pelo que fizeram, mas também recuperados. Para que não sejam um peso para a sociedade, depois de terem sido vítimas dela e causadores de crimes no seu seio.

Ser pessoa reclusa é perder temporariamente um direito humano: a liberdade. Mas a realidade é que as pessoas reclusas em Portugal perdem muito mais: perdem também a dignidade, a capacidade de se juntarem de novo à comunidade e de contribuírem para ela. A redenção não é uma hipótese e a pobreza dentro das grades e fora delas é uma sentença definitiva.

10. O negócio da não privacidade digital
Estamos a ser vigiados. Sempre que colocamos gostos, que interagimos online, que publicamos imagens, que partilhamos a nossa localização em tempo real, sempre que escrevemos conteúdos, essa informação é processada para que perfis de consumidor sejam feitos acerca de cada um de nós. Perfis esses que serão vendidos a empresas terceiras para fins publicitários. A vigilância não se fica por aqui. Há países em que a vigilância é estatal e procura controlar o pensamento político, a intervenção social e o comportamento de cada pessoa. Edward Snowden teve a coragem de o denunciar e a sua vida transformou-se definitivamente. Em vez de receber gratidão, sofre perseguição. Em Xinjiang, milhões de pessoas são vigiadas de forma quase total pelo governo e pelas autoridades chinesas. Essa tecnologia já foi vendida a países europeus e africanos, pelo menos.

Nos 73 anos da declaração universal dos direitos humanos, estejamos atentos para agir. Os problemas contam com o silêncio e a indiferença de quem quer e os pode resolver: todos nós.

Esta é a hora de carregarmos a Esperança e a Ação ao colo!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.