Existe compatibilidade entre a religião e a ciência?
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O diálogo entre fé e ciência é possível, desde que haja uma verdadeira atitude de escuta para com o interlocutor. Contudo, a problemática em torno da relação entre estes dois campos é regularmente abordada de forma simplista e, para justificar a ideia de que o conflito é inevitável, citam-se habitualmente os casos de Galileu e de Darwin, esquecendo os inúmeros casos de cientistas que articulam a sua prática, de forma equilibrada, com a fé. Além disso, inúmeros católicos, alguns deles clérigos, contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento de diversas áreas científicas, tais como Gregor Mendel, Georges Lemaître, ou entre nós, o P. Luís Archer.
Não deixa de ser verdade que a relação entre fé e ciência foi marcada, desde o início da modernidade, por vários conflitos. Porém, fé e ciência são campos que não se sobrepõem. São, acima de tudo, formas distintas de relação com o mundo. Trata-se de “mapas da realidade” distintos que nos permitem «olhá-la» e interpretá-la de um modo mais abrangente.
A religião perderá o seu espaço com a evolução da ciência?
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É verdade que os contínuos progressos científicos pós-era industrial têm possibilitado uma evolução da sociedade, que flui a um ritmo vertiginoso. Mas não é difícil perceber que o universo ainda possuí vários mistérios que estão por desvendar; conseguimos facilmente entender que a razão científica não é a única forma para decifrar o mundo à nossa volta e que dá sentido à nossa vida.
A ideia de que o progresso da ciência acabará por tornar a religião insustentável parte do pressuposto errado de que aqueles que acreditam em Deus procuram na bíblia, ou na teologia, a resposta a questões que pertencem ao âmbito da ciência. No entanto, a religião não deve ser encarada como uma fonte de conhecimento científico sobre os fenómenos naturais e as leis da natureza. Tal tarefa pertence à ciência. A religião tem sobretudo a ver com as questões da origem primeira do universo e do sentido da vida, e não tanto com questões no âmbito da ciência.
Como é que a religião complementa a ciência e vice-versa?
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A religião pode, de um modo discreto, sustentar a prática científica, estimulando, por exemplo, o desejo de comtemplar e compreender a ordem e a harmonia da natureza.
Segundo Poupard, «’a teologia beneficia das ciências, mesmo sendo só de modo a evitar a tentação de uma utilização acrítica de teorias científicas com um objetivo apologético e libertar a essência da fé de elementos sócio-históricos datados.’ Por outro lado, a ciência recebe da Teologia um ‘suplemento de sentido’ que lhe permitirá evitar um triplo perigo: ‘desenvolver a técnica pela técnica, pôr a tecnologia ao serviço exclusivo do produto e do crescimento contínuo, utilizá-la como um meio de poder sobre os outros» (cf. , Alfredo Dinis e João Paiva. Educação, Ciência e Religião).
Esta complementaridade entre ciência e religião deve respeitar os métodos e o rigor próprios tanto das ciências naturais como da reflexão teológica.
A teoria do Big Bang e a narrativa da criação do Livro do Génesis são compatíveis?
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A afirmação de que Deus foi o criador do universo não pretende ser uma afirmação científica, sendo que a teoria do Big Bang é a que mais se ajusta aos dados científicos disponíveis. Deste modo, a sua compatibilidade não constitui um problema.
São muitos os que interpretam a grande explosão original como uma evidência para o ato criador de Deus. No entanto, este “concordismo”, demasiado sujeito à sucessão das teorias científicas, levanta problemas, pois as ciências estão em processo de mudança contínuo, tornando as suas teorias mutáveis e provisórias, ao contrário das verdades eternas e imutáveis da Fé.
«Quando um cristão diz ‘Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, criador do Céu e da Terra’» não está a descrever como é que a criação ocorreu, «nem a Bíblia é o livro indicado para conhecer essas inferências.» (cf. , Alfredo Dinis e João Paiva. Educação, Ciência e Religião).
Pode defender-se a teoria da evolução e acreditar em Deus?
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Tendo em conta que um fenómeno, ou um conjunto de fenómenos, podem ter vários níveis explicativos, segundo Bruno Nobre, sj, em Dois dedos de conversa sobre o dentro das coisas, a teoria da evolução «oferece-nos um primeiro nível explicativo para o surgimento das espécies e do próprio ser humano, mas não pode por si só excluir a possibilidade de o processo evolutivo ter uma finalidade.»
Muitos cientistas não-crentes, assim como cristãos fundamentalistas – criacionistas – defendem que não é possível acreditar no evolucionismo e, simultaneamente, em Deus. Não obstante, John F. Haught, teólogo católico, não só defende a possibilidade de compatibilização entre evolucionismo e fé, como também classifica esta compatibilidade como desejável. «O nexo natural, causal e criativo dos eventos é, em si mesmo, a ação criativa de Deus. Os processos de evolução por acaso e seleção natural são inerentemente criativos. Neste quadro, Deus cria ainda, continuamente, ‘na’ e ‘através’ da matéria do mundo, dotada em si mesma de potencialidades evolutivas.» (cf. , Alfredo Dinis e João Paiva. Educação, Ciência e Religião). Ainda assim, o evolucionismo é aceitável apenas como explicação da origem do corpo humano.
Poderá existir compatibilidade entre a imutabilidade das leis universais da natureza e a possibilidade de milagres?
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Habitualmente os milagres são entendidos como uma «suspensão» das leis da natureza. Esta forma de entender os milagres pressupõe que os fenómenos naturais são determinados por leis naturais imutáveis. De acordo com estes pressupostos, uma intervenção direta de Deus na ordem criada implicaria uma suspensão das leis da natureza.
Importa lembrar, no entanto, que as teorias científicas e as leis que lhes estão associadas são descrições da natureza e não a própria natureza em si. Com esta observação em mente, poderíamos descrever o milagre não como uma «suspensão» das leis da natureza, mas como a atualização máxima das suas potencialidades. Ou seja, um milagre não seria um acontecimento impossível e incompatível com a ordem natural das coisas, mas sim uma antecipação da transfiguração final do universo, que só pode acontecer por iniciativa de Deus.