No passado domingo, cumpriu-se mais um ato eleitoral e os resultados são os conhecidos. Muitos ter-se-ão animado com a perspetiva de mudança, outros tantos desiludido com o rumo incerto da governação. E ainda uns quantos haverá que, surpreendidos e expectantes, não conseguem para já decidir o estado de espírito com que irão encarar este novo ciclo.
Sob um sol de março (intercalado com períodos de chuva, talvez, premonitoriamente) a democracia cumpriu-se: taxa de abstenção mais baixa dos últimos 20 anos, votações a decorrer sem sobressaltos, pluralismo nas opções de voto, netos que levam avós a votar, pais que acompanham os filhos estreantes, escuteiros sempre prontos a orientar quem não sabe por onde seguir.
O período de campanha e pré-campanha foi intenso e mobilizado. Vários quadrantes da sociedade organizaram-se, promoveram reflexões, tomaram posição (o Ponto SJ não foi exceção). Os meios de comunicação social desdobraram-se em maratonas de debate, inúmeros painéis de comentário e até as redes sociais, e os seus “influencers”, reconheceram a importância da mobilização dos cidadãos para esta votação.
Os partidos apresentaram os seus programas e estes foram analisados, comparados, criticados pelos seus excessos ou omissões, e ficámos a conhecer os temas que mais importavam a cada um e também outros dos quais queriam fugir.
O contexto no qual os portugueses foram às urnas é complexo. Os dados do ano passado indicavam que mais de 500 mil indivíduos em Portugal vivem numa situação de privação material e social severa, e 33% dos pobres é-o apesar de ter um vínculo laboral; os sinais de degradação dos serviços públicos são cada vez mais evidentes; os jovens não encontram, no país que cresceram, as condições para uma vida digna e feliz. Ainda assim, o país mobilizou-se e votou. Expressou a sua vontade e deu sinais de querer mudança. E não uma mudança a uma só voz, mas uma mudança que implica compromissos, consensos e diálogos.
Os dados do ano passado indicavam que mais de 500 mil indivíduos em Portugal vivem numa situação de privação material e social severa, e 33% dos pobres é-o apesar de ter um vínculo laboral; os sinais de degradação dos serviços públicos são cada vez mais evidentes; os jovens não encontram, no país que cresceram, as condições para uma vida digna e feliz. Ainda assim, o país mobilizou-se e votou.
E aí tudo se complicou… Talvez fruto de uma sociedade polarizada, em que apesar de cada vez mais iguais, somos, paradoxalmente, mais incapazes de nos relacionarmos com quem pensa, age ou vive de forma diferente da nossa. Não tenho memória de se ter falado tanto de cenários e contra-cenários de governabilidade, mas todos esses pressupunham uma maioria, pondo sempre de lado o diálogo. Aceitamos como inequivocamente boa a premissa de que só é possível governar se não tivermos de nos entender com quem tem ideias diferentes (e muitas vezes estas nem são assim tão diferentes como se poderia pensar). Não será possível equacionar um cenário em que os líderes se sentam a uma mesa e reconhecem que o interesse nacional é superior à soma dos interesses de cada uma das partes?
Os slogans e motes que foram repetidos na campanha por um “Portugal inteiro” ou pelo País dos “308 concelhos” trouxeram uma certa reminiscência do “todos, todos, todos” ao jeito do Papa Francisco, em Lisboa, em agosto passado. Mas será que aceitam o enorme desafio de passar do plano das ideias à ação? Trabalhar para um Portugal uno, coeso, e a crescer, é agora sinónimo de diálogo, cooperação e consenso.
Numa altura em que (quase) todos os mandatos foram atribuídos e os nossos novos 230 representantes vão entrar em funções para, à luz do estatuto dos deputados, representar todo o País, participando nos trabalhos parlamentares, mas também assegurando o indispensável contacto com os eleitores, como eleitora, deixo uns breves pontos para reflexão:
Senhor(a) Deputado(a), quando se sentar no hemiciclo…
Debata por um país onde o bem comum esteja acima dos interesses individuais, dedicando o seu mandato a construir um país que cria e não devasta, pondo em marcha políticas públicas capazes de responder aos desafios do nosso tempo;
Não se perca na espuma dos dias, e tenha presentes os encontros que teve com os portugueses a quem pediu confiança, tendo em mente os mais frágeis e vulneráveis, não deixando que as ideias (e a ideologia) se sobreponham à realidade;
Defenda a justiça, a solidariedade e a inclusão, combatendo todas as formas de miséria e reconhecendo a importância de defender o trabalho digno e seguro para todos, bem como o crescimento e desenvolvimento do país;
Seja promotor de paz, nos corredores da assembleia, nas relações que estabelece, nas intervenções que fará, reconhecendo que a paz é um fruto de relações que reconhecem e acolhem o outro na busca do desenvolvimento integral de todas as pessoas e de todos os povos;
Tenha sempre presente a defesa da liberdade, guiando-se pelo serviço à causa pública, agindo em função do bem de todos sem procurar o próprio benefício.
Portugal precisa de políticos construtores de esperança no futuro, que não batam com a porta, mas entrem na casa, abram as janelas e deixem que o ar de uma nova legislatura os motive a construir pontes e consensos, tendo consciência dos desafios que enfrentam, mas reconhecendo que as ações de hoje são essenciais para a construção de um amanhã mais justo e florescente.
Portugal precisa de políticos construtores de esperança no futuro, que não batam com a porta, mas entrem na casa, abram as janelas e deixem que o ar de uma nova legislatura os motive a construir pontes e consensos, tendo consciência dos desafios que enfrentam, mas reconhecendo que as ações de hoje são essenciais para a construção de um amanhã mais justo e florescente.
Os desafios que enfrentamos hoje não podem ficar em suspenso enquanto cada um torce por um novo e hipotético ato eleitoral, que esteja mais de acordo com o que desejava. E é trabalhando com as condições e a realidade de cada tempo, que esperamos e desejamos representantes capazes de construir um país mais coeso, justo, digno e a crescer que, sabendo que tem passado, se quer comprometer com o futuro.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.