Muito se tem falado, a propósito do sínodo extraordinário sobre a Amazónia, sobre o celibato sacerdotal. Enquanto se espera a exortação pós-sinodal do Papa Francisco, são pertinentes algumas considerações sobre esta questão.
O celibato sacerdotal, na Igreja católica de rito latino, é, sem dúvida, um grande dom, mas também um escândalo, como aliás o próprio Cristo que, como foi profetizado por Simeão, é “sinal de contradição” (Lc 2, 34). Aliás, Jesus de Nazaré contrapôs o Espírito que anima a sua Igreja ao espírito do mundo, quando disse a Pedro: “Tu és para mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens!” (Mt 16, 23). A Igreja católica não tem por que estar na moda, nem ser mundana, mas ser fiel ao seu divino fundador.
É verdade que, em termos ascéticos, o celibato ‘pelo reino dos Céus’, segundo a conhecida expressão, sempre foi aconselhado pela Igreja católica, muito embora nunca tenha sido imposto, como condição necessária para a salvação, pois também o matrimónio cristão é caminho de perfeição evangélica. Mais ainda, Maria, a Mãe de Jesus, era casada e, não obstante, a Igreja reconheceu-lhe – o que não aconteceu a nenhum santo solteiro, fosse leigo, religioso ou sacerdote – o título superlativo de Santíssima.
Embora se diga que, a Igreja católica ocidental proíbe o casamento aos que querem ser padres, é mais correcto afirmar que a Igreja escolhe os seus sacerdotes entre os seus fiéis varões que optam pelo celibato. Neste sentido, já existe o celibato opcional na Igreja católica latina, porque todos os padres, quando decidiram ser sacerdotes, optaram por esse estado.
A ninguém a Igreja proíbe o casamento, que é um direito fundamental de todos os cidadãos e também dos fiéis, mas escolhe os seus ministros entre aqueles que livremente optaram pelo celibato, que é condição necessária, mas não suficiente, da vocação sacerdotal. Com efeito, ninguém tem direito ao sacerdócio ministerial, pois é Deus quem chama, através da competente autoridade eclesial, que entende que só são aptos para esse ministério aqueles que querem viver em celibato. Depois de um longo período de discernimento vocacional, a Igreja ratifica, mediante as ordenações diaconal e presbiteral, esse propósito, exigindo coerência a quem liberrimamente assumiu tal compromisso. Em última análise, a Igreja pede aos padres o mesmo que exige aos casados, porque também estes, depois de validamente celebrado o seu matrimónio, já não podem casar!
Embora se diga que, a Igreja católica ocidental proíbe o casamento aos que querem ser padres, é mais correcto afirmar que a Igreja escolhe os seus sacerdotes entre os seus fiéis varões que optam pelo celibato.
A razão de ser do celibato sacerdotal não é essencialmente de ordem prática, embora seja verdade que um padre casado, sobretudo se tiver filhos, teria, como é óbvio, menos disponibilidade para o exercício do seu ministério pastoral. Mas não é essa a questão principal, até porque, na Igreja católica de rito oriental, há sacerdotes casados e, eventualmente, poderia ser que, numa pequena comunidade cristã, o sacerdote pudesse facilmente exercer o seu múnus pastoral, em acumulação com os direitos e deveres do estado matrimonial.
O sacerdócio católico, mais do que uma dignidade, é um ministério, que requer uma especial configuração com Cristo: o sacerdote representa Jesus e, por isso, há-de ser, como ele, homem; deve obedecer, como Ele se submeteu à vontade de seu Pai Deus; está obrigado a assumir a sua pobreza voluntária; e, também, o seu celibato. Jesus de Nazaré é, como ensinou o santo Papa Paulo VI, na sua encíclica Sacerdotalis caelibatus, nº 19, o fundamento da identidade sacerdotal: “O sacerdócio cristão, que é novo, não pode compreender-se senão à luz da novidade de Cristo, Pontífice supremo e Sacerdote eterno, que instituiu o sacerdócio ministerial como participação real no seu sacerdócio único”.
Não obstante as razões de conveniência que aconselham a disciplina do celibato sacerdotal, é importante recordar que não se trata de nenhum dogma, nem esta salutar prática é exigida pela Sagrada Escritura, nem pela Sagrada Tradição. Mas a Igreja católica também não pode ser indiferente ao facto de Jesus de Nazaré, os apóstolos – sabe-se que Pedro foi casado, mas consta que, quando foi chamado por Cristo, já era viúvo – e muitos dos primeiros cristãos, como São Paulo, terem optado pelo celibato, contrariando os usos e costumes de Israel e dos países vizinhos, em que os sacerdotes, como Zacarias, marido de Isabel e pai de João Baptista, eram casados.
Só depois, por razões fáceis de compreender – as recém-formadas comunidades cristãs precisavam de pastores e os não havia célibes – a Igreja permitiu a ordenação sacerdotal de homens casados. Mas a própria Igreja, que tolerava a ordenação de homens casados, também teve alguma consciência de que a condição matrimonial não convinha ao estado sacerdotal. Por isso, os casados ordenados sacerdotes deviam abster-se das relações conjugais, sob pena de demissão do estado clerical. Aos bispos, que procediam, por regra, das comunidades monásticas, exigia-se que permanecessem célibes.
No princípio do século IV, o Concílio de Elvira instituiu o celibato sacerdotal na península ibérica. Depois, essa prática foi também adoptada na Gália, no norte de África e em Roma. É curioso registar que esta medida não foi imposta pela cúpula, mas originada pelas bases, na medida em que teve a sua origem nas comunidades cristãs periféricas, só depois sendo adoptada, como lei, por toda a Cristandade. Com efeito, foi o Concílio I de Latrão, em 1123, que estabeleceu a obrigatoriedade do celibato sacerdotal na Igreja católica de rito latino: “proibimos absolutamente aos presbíteros, diáconos e subdiáconos a companhia de concubinas e esposas” (cânone 3º).
Em termos puramente históricos, seria um retrocesso regressar agora, mesmo que com carácter excepcional, ao que foi uma praxis tolerada nos primeiros séculos da vida eclesial. Seria até expectável que a Igreja voltasse de novo a concluir, como depois dessa primeira experiência, a conveniência do celibato sacerdotal.
Não obstante as razões de conveniência que aconselham a disciplina do celibato sacerdotal, é importante recordar que não se trata de nenhum dogma, nem esta salutar prática é exigida pela Sagrada Escritura, nem pela Sagrada Tradição.
Mesmo entre os que acham que a condição celibatária é ideal para os sacerdotes católicos, alguns temem que não seja realista. Pode ser até, na sua opinião, uma perigosa utopia, que expõe o padre a terríveis perigos – os escândalos recentes parecem provar isso mesmo! – que se poderiam evitar, se se lhes permitisse, por assim dizer, uma vida afectiva mais natural, ou normal. Afinal, que tem de mal o matrimónio, se até São Paulo diz que é um grande sacramento (Ef 5, 32) ?!
Com certeza que não se pode pedir o celibato a quem se sente chamado à vida matrimonial – como dizia São Paulo, “antes casar-se do que abrasar-se” (1Cor 7, 9) – nem vice-versa. Mas, os recentes escândalos sacerdotais não permitem relacionar esses casos com o celibato. A maioria dos pedófilos são pessoas casadas, o que também não estabelece nenhuma relação causal entre o matrimónio e o abuso de menores. Aliás, a quase totalidade dos presidiários não são solteiros, não porque o matrimónio favoreça a delinquência, mas apenas porque, sendo casada a maior parte dos adultos, é lógico que muitos dos presos também o sejam.
Jesus disse: “ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 13). Um padre está chamado a um amor assim, que só pode ser total na medida em que é, segundo a terminologia paulina, indiviso. Com efeito, como explica S. Paulo, “quem não tem mulher, cuida das coisas do Senhor, como há-de agradar ao Senhor. Mas aquele que tem mulher, cuida das coisas do mundo e de como agradar à mulher e fica dividido” (1Cor 7, 32-34).
Mas, não obstante a sua menor disponibilidade pastoral, os padres casados, da Igreja católica oriental, não são menos sacerdotes do que os presbíteros celibatários da Igreja católica ocidental.
Qualquer que venha a ser a resposta do Papa Francisco à questão da eventual ordenação sacerdotal de homens casados, todas as vocações cristãs, sejam para o matrimónio, sejam para o sacerdócio, celibatário ou não, são um dom para a humanidade, porque fazem a caridade de Cristo presente no mundo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.