Muitos partidos políticos dizem-se progressistas. Os slogans de sucessivas campanhas convocam os países a avançar, a serem modernos. No Brasil, a bandeira refere-se mesmo ao progresso como valor fundamental da nação. Mas o que é afinal o progresso? Por que será ele importante? Existirão limites para o progresso?
Por vezes, a palavra “progresso” surge acompanhada por atributos: progresso económico, progresso social, progresso tecnológico. Noutros casos, referimo-nos ao progresso como valor ou ideologia, próprio de sociedades “modernas” ou “desenvolvidas”. Em ambos os casos, a palavra “progresso” traz consigo uma conotação moral positiva. Com efeito, no dicionário da Língua Portuguesa, progresso significa “marcha ou movimento para diante”, “desenvolvimento”, “movimento progressivo da civilização”, “aperfeiçoamento”.
Ora, é certo que nem todas as marchas para diante merecem o título de progresso. Em particular, porque cada época tende a pensar que descobriu as verdadeiras fontes do progresso. A guilhotina de Robespierre, o autoproclamado racismo científico, os tratamentos de choque a doentes psiquiátricos, todos se apresentaram como vanguarda da modernidade. Assim, o progresso, enquanto conceito de carácter normativo, não pode ser um mero sinónimo de mudança ou inovação.
Não parece existir uma única maneira de progredir, universalista e hermética. Por exemplo, progresso em Portugal não tem de significar o mesmo que progresso na China. Ao mesmo tempo, o conceito de progresso levanta um problema ao nível dos seus destinatários. Progresso, sim, mas de quem? Se o espantoso progresso económico da Europa foi muitas vezes feito à custa da exploração do resto do Mundo, não é claro que deva contar como progresso – pelo menos, com P maiúsculo.
O que é então o Progresso? Gostaria de propor que consiste numa melhoria das condições para que cada ser humano realize o seu potencial e seja aquilo que quer verdadeiramente ser. Por outras palavras, creio que progredir implica promover a humanização das regras e das práticas das nossas sociedades, estabelecendo adequadas prioridades na afetação dos bens e recursos crescentemente disponíveis. Nesta perspetiva, a mudança constituirá progresso apenas se ajudar os homens e mulheres a se tornarem humanos num sentido mais pleno. Por esta razão, o progresso de uns não poderá ser atingido à custa do retrocesso de outros.
É certo que o conceito de humano mereceria um debate prolongado, que é possível conduzir aqui. Ainda assim, é possível identificar com alguma facilidade um conjunto de condições que favorecem as perspetivas de cada homem e mulher se realizar enquanto pessoa, fazendo jus aos seus talentos e expandindo-os. A paz, a liberdade, o bem-estar económico, o acesso ao conhecimento, os cuidados de saúde, a reciprocidade e a solidariedade nas relações sociais são apenas alguns exemplos.
O progresso de uns não poderá ser atingido à custa do retrocesso de outros.
Esta aceção de Progresso convida-nos a adotar uma postura de prudência em relação a visões pretensamente iluminadas de “marchar para diante” ou “promover a civilização”. Em primeiro lugar, porque, como dizia, nem sempre temos a certeza que avançar seja progredir. É preciso dar tempo às novas ideias e não precipitar; debater e não simplesmente impor. Em segundo lugar, porque o desejo de civilizar o vizinho é tão antigo quanto a própria ideia de civilização. As missões civilizadoras foram causa de tragédias humanas, um pouco por todos os continentes.
É de salientar, contudo, que esta abordagem prudencial do progresso não implica que as suas perspetivas sejam limitadas. Pelo contrário, as hipóteses de enriquecimento das sociedades e de realização das potencialidades de cada ser humano são multiplicadas sempre que enquadradas numa avaliação ampla e sistémica das consequências de avançar numa determinada direção. Criamos limites ao Progresso, não por nos recusarmos a atirar de cabeça seguindo cada nova moda, mas por termos medo de parar e falar abertamente sobre ela.
Para finalizar, não posso deixar de olhar para aquilo que se tem passado no Mediterrâneo e aplicar o que acabei de dizer. Quando “avançar para diante” implica deixar de olhar para a pessoa, fechar-se no seu egoísmo, ser indiferente à vida ou morte do semelhante, estamos em evidente regressão. Poderemos encher-nos de mais e mais tecnologia, crescer a dois dígitos ao ano e viver cada vez com mais bens, mas não estaremos a progredir.
O Progresso é inclusivo. É especialmente orientado para os mais frágeis. Não é cinzento nem deita fumo, é alegre e traz esperança. Não é uma marcha, é mais uma dança. Precisamos de aprender a reconhecê-lo e a denunciar os seus falsos profetas. Disso dependerá a nossa capacidade de construir um mundo verdadeiramente melhor.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.