O que quer dizer ser patriota? Na aurora do Estado-nação, nenhuma estratégia de mobilização se revelou tão eficaz quanto a definição de um inimigo comum. Muitos dos atuais estados Europeus nasceram num campo de batalha. Talvez por essa razão, a representação de atos patrióticos, tanto na historiografia como na arte, tenha seguido de perto o imaginário da guerra. No nosso país, vários exemplos disto dão testemunho. Nas nossas cidades, multiplicam-se os monumentos aos mortos pela pátria. O programa de História que estudamos na escola é, em boa medida, uma história das nossas grandes batalhas. Até na letra do hino nacional, os Portugueses marcham contra canhões estrangeiros.
Seria de esperar que, com a pacificação da Europa, a metáfora militarista tendesse a desaparecer da semântica patriotista. Ao invés, nos últimos anos, ela tem vindo a conhecer novas expressões. Por toda a Europa, um considerável número de forças políticas tem vindo a construir um discurso articulado em torno de inimigos exteriores, muitas vezes imaginários, sejam eles os imigrantes, os muçulmanos ou a União Europeia. Na ausência de um programa positivo, estes partidos e movimentos pretendem congregar os cidadãos em torno da rejeição do outro e dos seus legítimos direitos. Ora todas estas forças políticas, da extrema-direita à extrema-esquerda, se autoproclamam patrióticas. Mas será que o são?
Neste pequeno texto, gostaria de propor que o patriotismo consiste em reconhecer o património de um povo – o seu território, os seus símbolos, o seu sistema de valores, o seu modo de vida – mas sempre num quadro de autocrítica e de respeito profundo pelos outros povos. O patriota é alguém que valoriza esse património comum, levando a cabo o imprescindível exercício da sua atualização face aos desafios e incertezas de cada tempo e redescobrindo, assim, o significado de ser Português. Tal exercício, situado na fronteira entre tradição e modernidade, não deve seguir uma lógica de superioridade em relação aos outros povos mas de procura genuína do bem comum, numa humanidade que é cada vez mais interdependente. Nesta leitura, poderemos, então, afirmar que o patriotismo está virado para o futuro, não para o passado.
A minha posição assenta em duas premissas. Em primeiro lugar, creio que as identidades nacionais são moralmente importantes, não por representarem um bem intrínseco ou último, mas por desempenharem um papel decisivo na formação das identidades dos indivíduos e da sua capacidade de comunicar e de se relacionar com os outros. Um território, uma língua ou uma música tradicional merecem, assim, ser reconhecidos e protegidos por oferecerem o contexto imprescindível ao desenvolvimento do ser humano enquanto membro de uma sociedade. Esta partilha tende ainda a ser um requisito para a democracia, uma vez que instituições políticas estáveis requerem uma partilha de valores, e já que qualquer fórum de debate pressupõe a capacidade de comunicar eficazmente. Assim, num mundo onde existem fronteiras, a nação torna-se um contexto fundamental da nossa existência.
Em segundo lugar, e pelo que acabou de ser dito, nenhuma nação se pode afirmar melhor do que a outra. Se é desejável proteger o património nacional português, tal não se justifica por aquele ser melhor ou pior do que o Francês, mas por proporcionar o contexto em que tantos Portugueses se reconhecem enquanto pessoas e constroem as suas relações sociais. Todas as nações, com as suas virtudes e defeitos, constituem contextos de socialização valiosos. Desta forma, o patriotismo de uns não deve afirmar-se à custa dos outros e não pode, assim, ser confundido com interesse nacional em sentido estrito. Acresce que nenhum elemento desse património nacional deve estar acima da crítica ou ser dado por imutável. A perenidade de uma identidade manifesta-se, aliás, na sua capacidade de renovação. Disso dá testemunho a evolução das línguas ao longo dos séculos.
O patriotismo não é, assim, um sinónimo de xenofobia nem de egoísmo. Tão pouco se alimenta de uma nostalgia pelo passado ou pressupõe a negação dos erros na história de uma nação. É urgente denunciar todas as narrativas que transformam o património nacional numa fonte de opressão e de exclusão do Outro. Os extremistas, por mais que recorram ao léxico do patriotismo, não têm qualquer vocação de patriotas. Cuidar de um povo não é isolá-lo nem prendê-lo ao passado. Não é incitá-lo ao ódio e à violência. Não é torná-lo arrogante e soberbo. É, sim, desenhar políticas que são ajustadas à realidade desse povo e que têm em conta os seus valores e tradições, numa perspetiva de renovação e crescimento coletivos. Assim entendido, o patriotismo não é fechado em si mesmo, é aberto ao mundo; não é virado para o passado mas, sim, para o futuro.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.