Maus equilíbrios

Porque é que sair tarde do trabalho é socialmente percecionado como algo meritório ou, pelo menos, aceitável? Em diversos países do Norte da Europa passa-se precisamente o contrário.

Nas ciências sociais, um equilíbrio poderá ser definido como uma situação em que nenhum agente tem incentivos para alterar o seu comportamento, uma vez que, ao fazê-lo, ficaria numa posição pior do que aquela em que se encontra. Ainda que a linguagem possa sugerir o contrário, um equilíbrio não é algo bom por definição. É simplesmente uma situação estável que pode ser eticamente indesejável. Neste artigo, pretendo discutir a noção de “mau equilíbrio social” e identificar estratégias para atingir equilíbrios eticamente desejáveis.

O comportamento dos seres humanos ajusta-se ao meio envolvente, tendo em conta, designadamente, os mecanismos de sanção e recompensa vigentes. Por outras palavras, boa parte das nossas decisões têm um carácter estratégico: dado que A, B e C, então escolho fazer X. Por exemplo, ao saber que as filas de espera para as consultas médicas tendem a ser demoradas, procuro marcar a minha com antecedência. Da mesma forma, se sei que por volta das 14h00 nunca resta nenhum prato apetecível na cantina, tento chegar mais cedo. Esta lógica de decisão não põe em causa a bondade e altruísmo dos seres humanos. As suas escolhas têm em conta fatores que vão muito para além do interesse individual e que, muitas vezes, põem em causa esse mesmo interesse. Contudo, é razoável assumir que cada homem ou mulher tenta fazer aquilo que julga ser o melhor para si e limitar os riscos em que incorre, tendo em conta a informação de que dispõe.

O dilema que importa tratar surge quando os incentivos que definem um tal jogo estratégico são perversos. Pensemos num exemplo concreto. Em Portugal, particularmente no sector dos serviços, difundiu-se a ideia de que sair tarde do trabalho é sinónimo de trabalho árduo. O corolário deste teorema é fácil de deduzir: sair cedo do trabalho significa pouco labor, porventura aliado a irresponsabilidade e desmotivação. Ora dado que o trabalhador que sai cedo é mal visto, então ele tem de ficar até mais tarde. Como resultado, em muitas organizações, deixar o posto de trabalho às 17h00 é impensável, independentemente do muito que se tenha produzido durante o dia. Por sua vez, sair às 20h00 é louvável, ou pelo menos, imprescindível, ainda que se tenha passado parte do tempo a deambular pelas redes sociais. O dado mais assinalável é que a maioria dos trabalhadores gostaria de sair mais cedo do trabalho e estaria disponível para trabalhar mais eficientemente para atingir esse fim. Ou seja, poderíamos todos produzir o mesmo e ir mais cedo para casa. Estamos, por isso, na presença de um mau equilíbrio social. Poderíamos pensar em muitos outros exemplos semelhantes.

A questão central está, evidentemente, em como podem ser evitados, ou solucionados, maus equilíbrios deste género. A resposta poderá em parte passar pelas escolhas individuais, mas certamente não se esgota nelas. Efetivamente, quem quiser desafiar a norma (mais ou menos) informal segundo a qual se deve sair tarde do trabalho terá de assumir riscos profissionais que vão desde a progressão profissional à própria manutenção do posto de trabalho e que não são comportáveis para todos. Com efeito, os maus equilíbrios sociais estão muitas vezes assentes em relações de poder assimétricas e, como tal, não podem ser facilmente alterados de baixo para cima. Assim, mais do que de atos de coragem individual, uma mudança desta natureza requer uma intervenção ao nível da nossa ordem social, em particular, no que respeita às normas informais que lhe estão subjacentes, aos sistemas de incentivos nela implícitos e às mentalidades que ora produzem, ora resultam dessa ordem.

Efetivamente, quem quiser desafiar a norma (mais ou menos) informal segundo a qual se deve sair tarde do trabalho terá de assumir riscos profissionais que vão desde a progressão profissional à própria manutenção do posto de trabalho e que não são comportáveis para todos.

O desafio da mudança das normas sociais e das mentalidades é particularmente exigente. Na linha daquilo que tem sido feito na área da Economia Comportamental, uma tarefa preliminar consistirá em perceber exatamente o que está por detrás de um mau equilíbrio social. Porque é que sair tarde do trabalho é socialmente percecionado como algo meritório ou, pelo menos, aceitável? Em diversos países do Norte da Europa passa-se precisamente o contrário, o que sugere que esta norma nada tem de natural. Podemos aplicar este método a outros maus equilíbrios conexos: Porque é que é socialmente aceitável esperar várias horas para ser atendido num serviço público? Ou chegar sistematicamente atrasado às reuniões? Ou empurrar na hora de ponta do metro até conseguir entrar? Só quando percebermos a lógica por detrás da norma social poderemos identificar uma estratégia eficaz para deixar o mau equilíbrio.

Porque é que é socialmente aceitável esperar várias horas para ser atendido num serviço público? Ou chegar sistematicamente atrasado às reuniões? Ou empurrar na hora de ponta do metro até conseguir entrar? Só quando percebermos a lógica por detrás da norma social poderemos identificar uma estratégia eficaz para deixar o mau equilíbrio.

Isso dá bom testemunho de um caso algo heterodoxo passado em Bogotá, capital da Colômbia. Bogotá enfrentou, durante décadas, um trânsito verdadeiramente caótico. Uma das principais causas desse problema era o comportamento dos condutores e dos peões. Com efeito, tanto condutores como peões tendiam a mover-se vagarosamente. Por exemplo, entre o sinal ficar verde e os carros avançarem, perdia-se muito tempo; os veículos paravam no meio da via para fazerem descargas de pessoas e mercadorias; os indivíduos atravessavam a estrada fora das passadeiras e todos os carros paravam. Durante anos, os presidentes da câmara local procuraram resolver o problema lançando multas, mas os Colombianos não pareciam preocupar-se muito com este tipo de sanção. Até que um novo presidente tentou uma abordagem diferente. Convencido de que os colombianos não tolerariam o embaraço, decidiu recrutar um conjunto de mimos e colocá-los em pontos nevrálgicos da cidade. Estes funcionários de cara pintada satirizavam os condutores que não avançavam e os peões que quebravam as regras, seguindo-os e imitando-os. Passados pouco meses, a circulação na cidade tinha melhorado substancialmente.

Convencido de que os colombianos não tolerariam o embaraço, decidiu recrutar um conjunto de mimos e colocá-los em pontos nevrálgicos da cidade. Estes funcionários de cara pintada satirizavam os condutores que não avançavam e os peões que quebravam as regras, seguindo-os e imitando-os. Passados pouco meses, a circulação na cidade tinha melhorado substancialmente.

Deixando de parte possíveis objeções contra uma solução deste género, haverá uma lição a retirar para nossa discussão. É necessário pensar de forma inovadora para conseguir alterar as normas sociais. Não basta tentar alterar uma norma dentro do paradigma que essa própria norma impõe. Regressando ao nosso exemplo do trabalho em Portugal, poder-se-ia argumentar que os horários se foram tornando cada vez mais longos porque a produtividade é baixa e porque as empresas estão sob grande pressão para reduzir custos. Contudo, podemos pôr o problema ao contrário: se as pessoas forem mais valorizadas profissionalmente, se forem avaliadas em função daquilo que produzem e não do tempo que passam no trabalho, se tiverem oportunidades tangíveis de progressão profissional e de remuneração compatível com o seu esforço, as empresas tornar-se-ão mais competitivas. Com efeito, nunca ouvi dizer que a produtividade é baixa na fábrica da Autoeuropa ou nos escritórios da Google.

Deixar um mau equilíbrio exige, assim, disponibilidade para alterar radicalmente as premissas que são dadas aos indivíduos no momento em que tomam as suas decisões. Recordemos a lógica: dado que A, B e C, então escolho fazer X. Se percebermos exatamente o que move as pessoas – e isso requer não apenas investigação científica, mas muita escuta e capacidade de liderança – poderemos atingir melhores equilíbrios que a todos beneficiam.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.