Nunca tive muita paciência para modas e não percebo nada de fotografia, mas há qualquer coisa neste retorno às analógicas que me conquista. Para quem saiba e possa fazer o processo de revelação das próprias fotografias, acredito que a experiência seja ainda mais intensa, mas, mesmo para quem não tem outra alternativa senão ir a uma loja, reconheço nesta atividade uma valorização daquilo que as urgências da vida vão cobrindo e fazendo-nos esquecer ou ignorar, como a generosidade, a sensibilidade, a espera ou até mesmo a imperfeição.
Fotografar com o telemóvel é obviamente mais barato do que com uma máquina analógica. Por isso, com o primeiro, podemos facilmente transmitir uma falsa noção de generosidade, tendo em conta que fotografamos tudo e todos. Em contrapartida, analogicamente, a fotografia é verdadeiramente um presente, uma abdicação em prol de outro. É uma prova de amizade para com alguém ou de espanto para com algo, uma vez que analogicamente não fotografamos à toa, mas antes escolhemos cuidadosamente aquilo que queremos registar e com o qual queremos gastar um dos disparos que temos disponíveis.
Para conseguirmos fazer esta seleção cada vez melhor, acontece em nós – provavelmente sem termos bem noção – um processo de aprimoração da nossa sensibilidade, à medida que deixamos despertar, não a sensibilidade foleira de um filme manhoso, mas a sensibilidade enquanto capacidade de nos deixarmos maravilhar e de não nos deixarmos ficar indiferentes, seja para o bem ou para o mal: o sorriso de alguém que nos é querido, um gesto bonito que alguém faz a outro, o toque ou uma troca de olhares entre duas pessoas, a luz do Sol que atravessa as folhas de uma árvore, a serenidade de um rio que espelha o céu, o contraste das cores numa corda da roupa, a expressão triste de alguém que tem saudades, a posição amarrotada de um pedinte, a arquitetura arrojada de um sítio atravessado por rápidos carros, ou de um sítio parado no tempo atravessado pelo passo lento de um pastor.
Hoje tudo é imediato, não sabemos esperar por nada nem ninguém. Saber esperar é uma virtude em vias de extinção.
Talvez um profissional saiba exatamente o que vai encontrar nas suas fotografias reveladas. Contudo, para alguém que pouco ou nada percebe de fotografia, como eu, a espera é mágica. Hoje tudo é imediato, não sabemos esperar por nada nem ninguém. Saber esperar é uma virtude em vias de extinção. E que falta nos faz a graça da paciência, do não ter tudo como garantido, do parar e aguardar por nós próprios ou por outros. Parece que andamos a fugir de algo (de nós mesmos, provavelmente), e sorvemos eventos, redes sociais, televisão indiscriminada. A espera é tida como uma perda de tempo, mas só o é quando se ignora o potencial que tem. Penso muitas vezes na diferente conceção de tempo que existe entre mensagens de telemóvel/emails e as antigas cartas. Quantas vezes escrevemos mensagens de cabeça quente, carregamos no “Enviar” e nos arrependemos? Numa carta manuscrita, tendo em conta o pensar e repensar que faríamos no tempo de dobrar a carta, escrever a morada, colar o selo e levá-la até ao correio, isso dificilmente aconteceria, antes pelo contrário. No mundo analógico, há uma grande vantagem no que toca à espera: conseguimos conciliar o gostar de registar momentos com o viver esses momentos. Com o telemóvel, somos tentados a ver, editar, publicar e acompanhar o sucesso de uma fotografia logo depois de a tirarmos, fazendo com que desperdicemos o que está a acontecer fora do écran. Por outro lado, com a fotografia analógica, não ficamos presos à fotografia depois de a tirarmos e o processo de ver as fotografias reveladas é inteiro, centrado, não urgente e portanto mais prazeroso.
Por fim, nas fotografias reveladas emerge algo que também creio ser digno de acolhimento: a imperfeição. Na nossa vida, nem tudo é perfeito e nem tudo corre como planeado: há sempre uma característica que dispensaríamos ver no espelho, um talento por alcançar, um exame que corre mal, uma doença inesperada, um arrependimento pesado, uma empresa para a qual não somos escolhidos, etc. Nas fotografias que tiramos analogicamente, mesmo tendo em conta que somos criteriosos a escolher o que registar, também há fotografias queimadas, desfocadas, escuras, descentradas, flashes demasiado fortes que atenuam olheiras e eliminam qualquer bronze. Mas, por vezes, estas imperfeições tornam-se detalhes deliciosos, que trazem a realidade pura para a fotografia e que criam efeitos curiosos.
Da mesma forma, na nossa vida, as imperfeições trazem tantas vezes a Beleza atrelada, nas pessoas que nos amam com os quilos a mais e os talentos a menos, no abraço que encoraja para o próximo exame, nos valiosos pormenores da vida que a doença nos faz reparar, nos amigos que não desistem e que carregam connosco o nosso arrependimento, nas janelas-projetos que se abrem quando uma porta-empresa nos é fechada.
Fotografemos. Mas fotografemos tanto quanto isso nos ajudar a sermos mais generosos, mais sensíveis, a saber esperar e acolher as potencialidades da imperfeição.