Vocação: alargar o horizonte do desejo

Antes de tudo, uma cultura da promoção vocacional ajuda a desfazer enganos quanto ao que realiza as aspirações de cada pessoa. Conduzir cada pessoa à escolha de Jesus é levá-la a encontrar o significado mais profundo da sua humanidade.

Antes de tudo, uma cultura da promoção vocacional ajuda a desfazer enganos quanto ao que realiza as aspirações de cada pessoa. Conduzir cada pessoa à escolha de Jesus é levá-la a encontrar o significado mais profundo da sua humanidade.

Há uns anos, o tema que inspirou a vida dos Colégios da Companhia de Jesus em Portugal e em Espanha deixou alguns surpreendidos: “Escolher para sonhar”. Mas, então, não devia ser ao contrário: sonhar para escolher?

A proposta tinha como ponto de partida a “Meditação das duas bandeiras” dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loiola e assentava num pressuposto: qualquer sonho que queira ter a marca cristã implica uma escolha prévia: Jesus e o seu modo de ser. Um modo de ser que passa pela pobreza, por desprezos e pela humildade. À superfície esta é uma proposta contraintuitiva e nada atrativa. No entanto, as promessas de honra assentes na vaidade, num orgulho autossuficiente e em autoestimas falsas e cheias de brilho, mais não fazem do que alastrar uma sede desencontrada de um caminho que a possa conduzir à fonte.

É por isso que o apelo do Geral da Companhia de Jesus, P. Arturo Sosa, numa recente carta enviada a todos os jesuítas sobre a promoção vocacional, faz todo o sentido: “Num mundo cada vez mais secularizado, onde a sirene que anuncia riquezas, honra e orgulho distrai tão facilmente os jovens e obscurece a voz suave e delicada de Deus, a sensibilidade oferecida pela cultura da promoção e do discernimento vocacional torna-se vital.”

Antes de tudo, uma cultura da promoção vocacional ajuda a desfazer enganos quanto ao que realiza as aspirações de cada pessoa. Conduzir cada pessoa à escolha de Jesus é levá-la a encontrar o significado mais profundo da sua humanidade. É oferecer-lhe a possibilidade de encontrar na gratuidade e no serviço, no amor livre que recusa a manipulação o caminho estreito em que é gerada a abundância.

Uma cultura da promoção vocacional desafia a secularização do coração e acende nele as perguntas mais sérias da vida: qual o significado da verdadeira amizade, como aprendo a viver com a desilusão, como posso lidar com a morte, como posso amar sem querer que o outro preencha os meus vazios, como me posso sentir reconhecido e amado sem ter que mentir a mim mesmo sobre as minhas capacidades e possibilidades? Como lidar com as minhas feridas? Como cuidar dos outros e procurar a justiça? Como encontrar as maiores alegrias? É justamente aqui que a bandeira de Jesus aparece como uma proposta de conversão da nossa sensibilidade, alargando o seu horizonte e fortalecendo os afetos.

Iniciamos este domingo a semana de oração pelas vocações. Rezar pelas vocações não é expressar a Deus o desejo quase melancólico de que a Igreja não morra. É sintonizar com a abertura dos que procuram escutar o convite de Deus.

Mas este é um caminho lento que pede mais laços fortes do que conexões infinitas e instantâneas. É um caminho que exige disponibilidade. Na carta sobre a promoção vocacional, Arturo Sosa dirige-se de um modo especial aos seus irmãos jesuítas. “No coração deste esforço recebemos a graça que nos é transmitida pela arte de acompanhar na escuta do chamamento do Senhor e no discernimento do seu caminho. É o Senhor que chama, mas aqueles que o ouvem precisam de ser acompanhados no processo de discernimento do acolhimento desse convite.”

O acompanhamento de quem procura acertar com a vontade de Deus é uma dimensão essencial na descoberta da vocação cristã, é uma arte de que nem todos somos artífices. Mas há uma responsabilidade que é de todos: ajudar a gerar comunidades em que cada pessoa possa descobrir o seu valor a partir da experiência de ser amada por Deus, comunidades em que cada um reconheça que a resposta ao amor incondicional se concretiza aprofundando o sentido de pertença a uma humanidade comum, a uma comunidade na qual todos somos chamados a servir. Neste contexto, suscitar a pergunta pelo sentido da vida é bem mais do que uma tarefa de padres e freiras.

Iniciamos este domingo a semana de oração pelas vocações. Rezar pelas vocações não é expressar a Deus o desejo quase melancólico de que a Igreja não morra. É sintonizar com a abertura dos que procuram escutar o convite de Deus. É abrir-se à mudança que o Espírito provoca em nós, compreendendo a conversão a que estamos chamados. É ser mais sensível aos apelos que Deus pode estar a operar no coração dos que estão à nossa volta. Diz o Geral dos jesuítas que a oração nos muda “alargando e aprofundando o nosso desejo e pondo-nos mais em sintonia com aqueles que o Senhor possa estar a chamar à nossa volta.”

No filme “O Pirata das Caraíbas” havia uma bússola que não indicava o Norte, mas antes aquilo que quem a usava mais desejava. Escolher Jesus é dar ao nosso desejo o maior dos horizontes, encontrando sonhos surpreendentes que nos revelam quem somos e o que estamos chamados a ser. Rezar pelas vocações é comprometer-se com este modo de escolher e de sonhar.

Fotografia – Hussain Badshah – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.