A palavra suicídio é difícil de pronunciar. Acarreta dor, reflete um sofrimento infindável. Não se fala nela. É trazida muitas vezes pelos media: “ah era alguém que sorria; tinha uma vida boa”; vem a surpresa. Mas é preciso falar dela. Informar. Compreender. Prevenir.
Alguns autores classificam o comportamento suicida em quatro categorias, que se encontram num mesmo continuum: a ideação suicida (i.e., pensamentos de se matar) por um lado, e o suicídio consumado/ato suicida, no outro extremo, encontrando-se a intenção suicida (quando foi já delineado um plano de suicídio) e a tentativa de suicídio entre esses dois extremos.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 800.000 pessoas morrem todos os anos por suicídio, sendo este número mais elevado do que os casos de morte por cancro de mama ou decorrentes de conflitos mundiais. Em 2020, esta organização estima que se chegue a 1,5 milhões de mortes. Face à sua expressão e aos seus impactos, não só nas famílias, como numa dada comunidade ou sociedade, é considerado um problema de saúde pública.
Em Portugal, cerca de metade dos suicídios ocorre em pessoas com idade superior a 64 anos, sendo três vezes mais frequente em homens (por comparação com as mulheres), seguindo a tendência internacional. Para além da idade e género, existem outros fatores de risco, nomeadamente: ser solteiro, viúvo ou divorciado; ser um profissional rural ou na área da saúde, apesar da taxa de suicídio das forças policiais em Portugal ser das maiores da Europa.
O suicídio pode ocorrer em qualquer idade. Os dados da OMS indicam que foi a segunda causa de morte em 2016 em pessoas com idades compreendidas entre os 15 e os 29 anos. Em Portugal, o ano de 2017 foi o ano em que se registou um maior número de suicídios nesta faixa etária. As taxas de suicídio tendem, no entanto, a aumentar com a idade. Em Portugal, cerca de metade dos suicídios ocorre em pessoas com idade superior a 64 anos, sendo três vezes mais frequente em homens (por comparação com as mulheres), seguindo a tendência internacional. Para além da idade e género, existem outros fatores de risco, nomeadamente: ser solteiro, viúvo ou divorciado; ser um profissional rural ou na área da saúde, apesar da taxa de suicídio das forças policiais em Portugal ser das maiores da Europa. Viver em meio rural – em Portugal viver também sobretudo no sul do país, apesar de se ter registado um incremento nos grandes centros urbanos; ter comportamentos autolesivos e uma história de tentativas de suicídio; ter um diagnóstico de perturbação mental (em 90% dos casos). Alguns traços de personalidade tornam a pessoa mais vulnerável ao risco: a hostilidade, o desamparo, a desesperança, a rigidez, o perfecionismo e a impulsividade na população mais jovem. Comportamentos aditivos, a doença física ou alguns fatores neurobiológicos são também indicados como fatores de risco, bem como a história familiar (não só a existência de uma história familiar de suicídio, mas também a violência, o abuso físico e/ou sexual, aumentam o risco). Outros fatores de natureza sociocultural como o isolamento social, perdas afetivas, o bullying e o mobbing, constituem-se como fatores de risco. O estigma associado a uma dada doença mental ou a pertença a uma minoria étnica têm sido também apontados como fatores de risco. Portugal é, por exemplo, o segundo país com maior prevalência de doenças psiquiátricas na Europa (perturbações de ansiedade e de humor).
Outros fatores de risco são de natureza situacional, nomeadamente: o acesso a meios letais, armas de fogo, medicamentos, pesticidas; o desemprego, a perda de estatuto socioeconómico, a falta de acesso a cuidados de saúde, viver em meio prisional ou vivenciar outros acontecimentos de vida negativos, para além dos já exemplificados. A linha de apoio SOS Voz amiga (linha telefónica de prevenção do suicídio em Portugal) reportou um maior número de chamadas após o início da pandemia provocada pela COVID-19.
O dia 10 de setembro é o Dia Mundial da prevenção do suicídio e foi criado em 2003 pela Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio e pela OMS, com o objetivo de sensibilizar para a prevenção do ato do suicídio.
A avaliação do risco é fundamental para a prevenção da ocorrência de suicídio. Considera-se existir risco elevado quando a pessoa tem um plano de suicídio específico, tem acesso a meios letais, não tem uma rede de suporte (por ex., família, amigos, profissional de saúde), não tem juízo crítico e apresenta uma perturbação mental evidente (por ex., ter um surto psicótico). É considerado risco moderado quando a pessoa não tem acesso a meios letais, tem suporte social e conserva uma função racional, aceitando recomendações ou tratamento por parte de um profissional de saúde. O nível de risco é baixo quando a pessoa não tem um plano de suicídio, fala sobre os seus problemas, aceita procurar ajuda e apresenta uma rede de suporte social (Pereira, 2014).
Apesar da evidência nos mostrar que a prevenção, para ser eficaz, deve ser prolongada no tempo, o dia 10 de setembro vem lembrar-nos de que apostar em medidas preventivas é fundamental. O que podemos fazer? Não obstante a possibilidade de nos depararmos com acontecimentos de vida negativos ou de termos já um conjunto de vulnerabilidades pessoais, importa pensar o que podemos fazer junto dos jovens, das suas famílias e contextos de vida (como o escolar) ao longo do seu desenvolvimento.
Globalmente, considero fundamental ensinar as nossas crianças e jovens a lidar com a dor; não existe crescimento sem dor. Nesta linha, importa não esquecer que “os rapazes também choram” – a desconstrução de papeis de género deve merecer a nossa atenção, face à vulnerabilidade masculina.
Globalmente, considero fundamental ensinar as nossas crianças e jovens a lidar com a dor; não existe crescimento sem dor. Nesta linha, importa não esquecer que “os rapazes também choram” – a desconstrução de papeis de género deve merecer a nossa atenção, face à vulnerabilidade masculina. A imagem externa idealizada que muitas vezes os pais querem passar dos filhos e das suas famílias pode ser um fator que intensifica o sofrimento. Não há filhos perfeitos; não há famílias perfeitas. As relações são dinâmicas e co-construídas. Os pais não podem esquecer que educar tem uma dinâmica bilateral: não se nasce pai ou mãe; tornamo-nos pais e mães com a vivência da parentalidade que tem, por sua vez, dinâmicas diferentes ao longo do processo de crescimento dos filhos.
Numa era cada vez mais digital, em que pais e filhos ficam horas absorvidos nos seus mundos, é bom não esquecer a importância de se criarem oportunidades para o diálogo e fomentar a construção de redes (formais e informais) que evitem o isolamento social. Durkheim, num estudo de 2011, aponta a importância da religião enquanto promotora de interações sociais significativas, referindo ser esta a explicação para a menor taxa de suicídio observada nos países católicos.
Não existe, também, crescimento sem obstáculos. Educar de uma forma positiva não pode passar por estar à frente da criança/jovem para lhe tirar os obstáculos do caminho, mas antes caminhar em conjunto e ajudá-la a olhar os problemas discutindo soluções, numa lógica de autonomização. É a criança/jovem que deve procurar testar essas mesmas soluções. Da minha experiência académica, são cada vez mais os pais que abordam as instituições universitárias, no sentido de serem elas a tentar resolver os problemas dos seus filhos já maiores de idade; que adultos querem estes pais formar?
Investir em atividades (formais, ligadas à escola, e informais, na comunidade) que promovam competências sociais e emocionais, nomeadamente a resiliência, a resolução de problemas e a resolução de conflitos é fundamental. A escola e a comunidade devem promover iniciativas para esse efeito.
Uma maior complexidade do nosso self (i.e., de nós próprios/do nosso auto-conceito) constitui-se como um fator protetor. A criança/jovem deve ter a oportunidade de se pôr à prova em diferentes situações de vida: aprender com o erro. Saber onde se falhou e como se pode melhorar é mais construtivo do que criticar o erro. A escola devia apostar no feedback positivo (“conseguiste ter 60% no teu teste, o que significa que aprendeste a …; falta-te conseguir consolidar…”). Os valores do desporto, deste ponto de vista, são exemplares: o esforço, a dedicação, a vontade de melhorar, são ingredientes importantes que devem pautar o caminho. Ter objetivos de vida e rotinas de vida saudáveis constituem-se como fatores de proteção.
Investir em atividades (formais, ligadas à escola, e informais, na comunidade) que promovam competências sociais e emocionais, nomeadamente a resiliência, a resolução de problemas e a resolução de conflitos é fundamental. A escola e a comunidade devem promover iniciativas para esse efeito.
A aposta em profissionais, como os psicólogos escolares, para a identificação precoce do risco é também essencial. Um encaminhamento profissional precoce pode ser uma medida preventiva extremamente eficaz. A aposta na área da saúde infantil e juvenil não pode, por isso, ser descurada numa sociedade responsável.
Recordando o Professor Daniel Sampaio que, em muitas ocasiões, refere que o suicídio resulta de vários fatores (ou seja, é multideterminado) e não de um só momento ou predisposição, importa olhar este problema de frente. Falar dele de uma forma responsável. Tal como com outras problemáticas: abordá-las não significa aumentar a probabilidade de ocorrência. Significa que devem ser criadas condições – nos vários contextos de vida das crianças/jovens, em particular – onde estas sintam que podem ser ouvidas, sem juízos de valor, porque o sofrimento é algo que é vivenciado de uma forma única e singular.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.