Sempre teve uma veia artística e um gosto especial pela natureza. Mas o seu percurso vocacional e académico nunca foi óbvio nem linear. Aliás, foi já com algumas etapas percorridas e vários avanços e recuos que ouviu falar pela primeira vez de vocação. De usar a liberdade para acertar as escolhas da vida em relação a algo maior. E a partir daí tudo mudou, pois desencadeou-se um verdadeiro caminho de discernimento. Para trás foi necessário deixar pressões, preconceitos sociais e familiares. Pelo meio, surgiu uma história de conversão que ajuda a explicar muita coisa ou talvez tudo. Beatriz Lisboa tem agora 23 anos e já muita coisa para contar. É um exemplo de que o final do secundário – momento por que passam agora muitos jovens – pode não ser a fase decisiva em que tudo se joga, mas apenas o início da história. De uma história de auto-conhecimento e perseverança.
Por isso, que este tempo de ansiedades e desejos possa ser também um tempo de descoberta e alegria! De olhar o horizonte para ver mais longe, e de olhar para dentro para ver mais fundo, sempre a tempo de corrigir a rota. Foi isso que Beatriz fez quando terminou o 12.º ano e percebeu que não estava confortável com a escolha que tinha feito, optando por nem sequer entrar na faculdade.
Vamos por partes. Beatriz sempre foi boa aluna, responsável e estudiosa. O que se, por um lado, facilitava as opções futuras, por outro, abria de tal modo o leque das possibilidades que baralhava a orientação a seguir. Por isso, quando chegou ao 10.º ano e teve de escolher uma área de estudos, sabia apenas que gostava de biologia e físico-química, mas também que adorava dançar, atividade que praticava regularmente e tinha um peso grande na sua vida. Na altura, cedeu aos estereótipos e às expectativas dos que a rodeavam e optou por ciências, que lhe garantia saídas profissionais e uma carreira promissora, ao passo de que na dança não estava ao nível de quem frequentava um conservatório ou escola profissional. No fundo, escolheu com base nas disciplinas de que gostava e na expectativa de conseguir um bom emprego.
Ao fim de um ano já tinha percebido que fora a escolha errada, por isso o 11.º foi um ano difícil. “Foi esgotante, pois não encontrava sentido naquilo que fazia”, confessa. Beatriz começava a fazer as primeiras perguntas sobre o sentido da vida e quando olhava à volta sentia que a sua vida não correspondia ao que ia sentindo interiormente. Acabou por relativizar os estudos e dedicar-se mais à dança.
Beatriz é um exemplo de que o final do secundário – momento por que passam agora muitos jovens – pode não ser a fase decisiva em que tudo se joga, mas apenas o início da história. De uma história de auto-conhecimento e perseverança.
O 12.º ano foi o ano em que tudo mudou. Enquanto muitos colegas se esforçavam para aumentar as médias do secundário para lutarem por um curso que os formasse para exercer uma profissão, Beatriz começou a pensar de forma diferente, mais aberta e integrada, procurando respostas para as inquietações interiores que ia sentindo. Iniciou-se também o seu processo de conversão que, numa primeira fase passou pela Capela do Rato, que frequentava juntamente com a sua mãe e, mais tarde pelo Centro Universitário Padre António Vieira (CUPAV), em Lisboa. Um caminho a começar quase do zero pois nunca tinha tido uma educação católica nem prática religiosa. “Até aqui não estava confortável com as minhas opções mas permanecia comprometida porque não tinha outras referências nem liberdade para pensar de maneira diferente. Mas depois tudo mudou. Fui começando a ordenar o mundo e as minhas escolhas em relação a algo maior, o que me obrigou a colocar as prioridades de maneira distinta e a ser eu própria. Percebi que é através daquilo que sou que vou fazer melhor aquilo a que me proponho”, explica.
A escolha foi drástica, confessa, e exigiu que se afastasse um pouco dos ambientes que frequentava, de modo a ganhar perspectiva sobre a sua vida e a fazer as suas escolhas com Deus. O resultado do primeiro exercício de discernimento foi voltar a dançar. Nessa altura, a sua professora de dança abrira uma escola, na qual Beatriz se envolveu muito, treinando e dando aulas aos mais pequenos. Como não encontrava nenhum curso com que se identificasse, decidiu não ingressar no ensino superior e dedicar-se exclusivamente à parte artística, tendo estado em Londres a estudar, bem como em Nova Iorque onde fez um curso de verão. No final desse período, candidatou-se a uma escola americana, onde foi admitida, mas onde acabou por não entrar, pois sentia que queria ficar junto da sua família e da comunidade cristã em que se ia integrando cada vez mais. “As minhas raízes eram muito pequeninas, e tive receio de me perder num sítio distante, com outra cultura, e de ficar sem o que tinha começado a construir”.
De volta a Lisboa, prosseguiu na dança, agora de forma mais serena e tranquila pois não tinha de dividir o tempo entre os estudos e a parte artística. “Pela primeira vez vivi pacificamente o esforço que a dança trazia, pois o tempo era todo meu. Foi uma confirmação daquilo a que tinha sido chamada”. Mas, ao mesmo tempo, fruto também da sua conversão espiritual, sentia necessidade de desenvolver a vertente intelectual e começou a desejar ir para a universidade. Ao fim de dois anos a apostar na dança, ingressou no curso de Estudos Gerais, onde se permite ao aluno construir o seu próprio currículo académico entre as várias faculdades da universidade, desde as ciências, às belas artes, passando pelas humanidades. O curso era a sua cara, pois permitia encontrar o fio condutor entre as várias cadeiras que ia escolhendo.
A dança voltou a ser remetida para segundo plano, até porque fez uma lesão que lhe trouxe muitas chatices e, nessa altura, foi também convidada para ser animadora do CUPAV. “Foi muito difícil deixar a dança, mas, por outro lado, sabia que estava a trabalhar componentes mais importantes para uma vida cristã mais integrada”, admite, agora que termina o terceiro ano da universidade e o segundo como animadora do centro universitário dos jesuítas em Lisboa.
São muitas as questões em aberto mas como se considera uma pessoa comprometida e trabalhadora acredita que não tem razões para temer o futuro. Além disso, acrescenta, não fez o curso na expectativa de se especializar para uma profissão mas para obter conhecimentos e ferramentas para o futuro.
A frequência académica foi muito enriquecedora e a interdisciplinaridade que pode experimentar abriu-lhe imensas perspectivas e possibilidades artísticas e pessoais. Aí foi encontrando também outras formas de se expressar artisticamente, uma vez que o percurso na dança parecia definitivamente afastado. Beatriz tem uma mãe joalheira e uma oficina em casa onde tem gosto em trabalhar, pelo que o futuro poderá também passar por aí.
Mas, para já, não está preocupada com a carreira profissional. São muitas as questões em aberto mas como se considera uma pessoa comprometida e trabalhadora acredita que não tem razões para temer o futuro. Além disso, acrescenta, não fez o curso na expectativa de se especializar para uma profissão mas para obter conhecimentos e ferramentas para o futuro. “Acredito que não é responsabilidade da academia arranjar empregos para os alunos”.
O que se vê a fazer daqui a três anos? Beatriz não sabe responder a esta pergunta, mas tem a certeza de que há decisões na sua maneira de estar na vida que vão, certamente, condicionar o seu futuro. Como a preocupação com a ecologia, um terreno ideal para trabalhar o diálogo e a conversão. O que quer que faça vai estar relacionado com isto.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.