Aproximando-nos do Natal, a Igreja põe diante das nossas vidas um tempo extraordinário, o Advento, que poderia ser descrito de muitas formas. Um tempo de ausência, deserto, preparação, conversão, espera…
As figuras do Advento, apresentadas ao longo das suas várias semanas são fortes, com traços bem definidos, vida simbólicas que expressam características da nossa vida que encontram, de alguma forma, um eco muito concreto nas nossas vidas.
A austeridade inflamada de João Baptista, um profeta do deserto que clama a favor de uma mudança radical dos corações, semelhante a uma mutação cósmica: que os montes se aplanem e os vales se levantem, para que os caminhos sejam direitos para a vinda do Salvador. O homem das dúvidas e dos sonhos, José, que vê na gravidez de Maria um duro golpe aos seus projetos e se abandona ao desconhecido de uma forma desconcertante para quem, como nós, gosta de ter nas mãos as rédeas do seu destino. E, por fim, uma jovem mulher, de joelhos, que aceita de Deus um convite estranho, inoportuno, que mudaria a sua vida para sempre, e a vida de todos os homens e mulheres, a partir de uma palavra tão densa: “Faça-se”…
Um grito de mudança e o silêncio do acolhimento, algo que faz tremer por fora e aceitar por dentro… e nada fica fora do convite, do chamamento, da vinda de um amor ainda não conhecido e tremendamente próximo e desejado.
Se estas figuras do Advento nos fazem sintonizar numa dinâmica de espera e aceitação da ainda desconhecida surpresa, é muito interessante ver “o outro lado”, as motivações de quem decide, na sua eternidade, fazer-se convidado para uma tal mudança de vidas e corações.
Nos Exercícios Espirituais, Santo Inácio não propõe meditações próprias do Advento, mas coloca-as dentro de uma série de meditações que têm o ponto de partida do “lado de lá”. Isto significa que, para Inácio, aliás, como o é para a fé católica, o mistério da Encarnação é total iniciativa de Deus, que não consegue ficar indiferente ao estado da humanidade.
Olhando a “redondeza” da minha vida, tão diversa, como poderei ter a sensibilidade de perceber que estas realidades são olhadas, desejadas e visitadas por Deus? Daria um sentido muito mais “acolhedor” do Natal, receber Aquele que me vem salvar.
Por isso, a segunda semana dos Exercícios Espirituais começa com a contemplação da Encarnação, em que Inácio põe a Santíssima Trindade, as três pessoas divinas, que “observavam toda a planície ou redondeza de todo o mundo, cheia de homens, em tanta diversidade, assim em trajes como em gestos: uns brancos e outros negros, uns em paz e outros em guerra, uns chorando e outros rindo, uns sãos e outros enfermos, uns nascendo e outros morrendo, etc; e como, vendo que todos desciam ao inferno, se determina, na sua eternidade, que a segunda pessoa se faça homem, para salvar o género humano. E, assim, chegada a plenitude dos tempos, é enviado o anjo S. Gabriel a nossa Senhora”. [cfr. EE, 102-109]
É curioso notar que a vinda de Deus à nossa história seja antecedida, na lógica de Inácio, por uma extraordinária visão de conjunto das coisas. A universalidade do ver e do agir de Deus está aqui presente como a consideração da vida e da história humanas em todas as suas circunstâncias, necessitadas da “visita” de Deus, que vem ao encontro de todas as coisas, todas as situações, sem deixar de fora homem ou mulher nenhum em particular.
Esta meditação poderia ser um bom exercício para o nosso Advento. Olhando a “redondeza” da minha vida, tão diversa, como poderei ter a sensibilidade de perceber que estas realidades são olhadas, desejadas e visitadas por Deus? Daria um sentido muito mais “acolhedor” do Natal, receber Aquele que me vem salvar.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.