Foi sem grande surpresa que recebi os resultados da sondagem do Ponto de Encontro. Apesar da premência de todos os temas, é inevitável que a abertura da Igreja aos recasados esteja no topo das referências dos portugueses e seja, assim, o evento vencedor desta categoria.
Este é um tema delicado, mas que tem sido um dos principais motivos pelos quais as pessoas se afastam da Igreja, juntamente com outras questões, como a sexualidade e a falta de sensibilidade dos pastores para acolher, ouvir e acompanhar as pessoas.
Esta Igreja, criada para todos, excluía alguns, muitos. Sem misericórdia, sem sequer interesse, as pessoas eram “enxotadas”, perdoem-me a expressão, para fora dos adros da Igreja.
Aqui, as pessoas sentiam-se excluídas. Ponto. É só isto, nada mais. Podemos discutir teologicamente, moralmente, doutrinalmente, os méritos e desméritos da Exortação Apostólica Amoris Laetitia e dos documentos que, em janeiro do ano passado e ao longo do ano, começaram a circular em várias dioceses portuguesas. Podemos concordar, discordar, opinar. Mas o mais importante é inegável: as pessoas estavam excluídas do seio da Igreja, na sua grande maioria. Esta Igreja, criada para todos, excluía alguns, muitos. Sem misericórdia, sem sequer interesse, as pessoas eram “enxotadas”, perdoem-me a expressão, para fora dos adros da Igreja.
Agora, isso não acontece, porque mudou o ponto de partida. As pessoas não estão, à partida, excluídas. Ponto.
Mais do que discutir a validade do documento, é inevitável perceber o que ele traz, que é precisamente este acolhimento de todos. Mesmo que, entenda-se, ninguém aceda aos sacramentos. Sim, esta é a principal questão: nenhum dos documentos emitidos este ano pelas diversas dioceses portuguesas assegura, de forma alguma, o acesso aos sacramentos de todos quantos estão em situação irregular. Aliás, não assegura de ninguém. Mas tem um mérito extraordinário, que não existia, ou existia em muito poucos sítios: chama as pessoas de volta às dioceses, às paróquias, quer ouvi-las, caminhar com elas, discernir com elas o melhor caminho.
Muitas delas, tenho a certeza, nem sequer seguirão este caminho de discernimento, porque as suas situações enquadram-se no processo de nulidade matrimonial. Esta será a grande maioria. Depois, da pequena minoria que sobra, algumas começarão o caminho e possivelmente não o terminarão, mas estarão acompanhadas e integradas. E restarão pouquíssimas que terminam o seu processo de discernimento. Dessas, algumas entenderão que a sua culpa as obrigará a viver na mesma impedidos de aceder, mas agora fá-lo-ão mais integrados e acompanhados, e outras entendem, em consciência própria, que a sua culpa é mais diminuta do que o pecado mortal que sempre lhe disseram que tinha, e será possível que possam aceder aos sacramentos. Serão poucas, muito poucas, mas entretanto muitas outras viram as suas situações ouvidas, estudadas e resolvidas, usando os procedimentos que já existiam, mas que não eram colocados à disposição porque não havia abertura para isso.
Acolher, ouvir, discernir. As pessoas já não estão excluídas. Ponto.
PONTO DE ENCONTRO – Resultados Finais
Abertura da Igreja aos recasados (38%, 314 Votos)
Solidariedade após os incêndios – Projeto ADRO Fajão-Vidual (29%, 236 Votos)
Sínodo dos bispos sobre os jovens (18%, 146 Votos)
Família Diniz – uma adoção surpreendente (11%, 87 Votos)
Joana Marques Vidal: os apelos à permanência (5%, 38 Votos)
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.