Um convite que surgiu de um quase ‘acidente’

Nuno Coelho foi para o pré-seminário aos 11 anos, quase por acaso, e daí para o seminário menor, pouco convencido de que ia ser padre. Admite que o "clique" foi só no 5º ano dos estudos. Mas hoje diz-se profundamente feliz na sua vocação.

Nuno Coelho foi para o pré-seminário aos 11 anos, quase por acaso, e daí para o seminário menor, pouco convencido de que ia ser padre. Admite que o "clique" foi só no 5º ano dos estudos. Mas hoje diz-se profundamente feliz na sua vocação.

A história desta vocação começa com um “quase” acidente. Não um acidente de percurso, daqueles que mais parecem uma partida do Céu para nos pôr a pensar. Mas, um acidente de viação, mais concretamente, um “quase” atropelamento. Nuno viajava no carro com o tio, que levava o filho, seu primo, a Lisboa para passar o dia no pré-seminário. Era sábado e o rapaz acompanhava pela primeira vez a família nesta rotina semanal. Ao chegar ao destino, ao estacionar o carro, o tio ia atropelando o P. Mário Rui Pedras, na altura responsável pelo pré-seminário. Como Nuno ia sentado no banco da frente, o convite daquele padre que nem conhecia foi imediato. “Não queres ficar também?”

E Nuno ficou. E depois daquele primeiro sábado, foi ficando. A ida para o pré-seminário passou a fazer parte do programa da semana e uma coisa que muito lhe agradava. Os pré-seminaristas jogavam à bola, faziam jogos, tocavam guitarra, entre muitas outras atividades próprias da idade. “A oração da manhã e a missa estavam lá, mas faziam parte do dia, era tudo normal”, recorda o agora P. Nuno Coelho. O atual pároco de Cascais acrescenta que a ida para o pré-seminário era uma aventura para os rapazes daquela idade, entre os 11 e os 17 anos. “Eu sou de Paço de Arcos (concelho de Oeiras) e apanhávamos o comboio da linha de Cascais até Lisboa. Éramos imensos, íamos em magote, entrando nas várias estações, a cantar, e depois íamos a pé até lá cima (perto da Estefânia), para poupar uns trocos e comprar gelados e batatas fritas. Era um programão”.

A frequência do pré-seminário ao sábado passou a integrar a rotina de Nuno e dos dois irmãos mais novos. Nascidos numa família de prática cristã regular, a viver em Paço de Arcos, mas com raízes em Celorico da Beira, os três rapazes participavam na vida religiosa e comprometida dos pais e tios. Também o pároco local, o P. Armando, era visita regular da família, pelo que a proximidade com a Igreja e a vida dos sacerdotes foi-se consolidando com toda a naturalidade.

Os dois rapazes mais novos acabaram por enveredar pelo escutismo, com o qual Nuno nunca se entusiasmou, preferindo ingressar no coro da paróquia, pois adorava cantar, e, mais tarde, no grupo de acólitos. Durante os anos do pré-seminário foi tendo catequese, pensando no sentido da vida, aprendendo a querer o bem e a desejar ser melhor. “Era bom rapaz, dentro das coisas normais da idade, mas tinha a certeza que não queria ser padre. Olhava para os padres e via que era bom, mas sentia que não era para mim”, recorda, sorrindo.

“Era bom rapaz, dentro das coisas normais da idade, mas tinha a certeza que não queria ser padre. Olhava para os padres e via que era bom, mas sentia que não era para mim”, recorda, sorrindo, o atual pároco de Cascais.

No 10º ano, foi chamado a tomar decisões escolares, como a área académica a seguir, e também começando a sentir que Deus poderia estar a querer algo de si. “Sabia que havia o Seminário Menor, que havia essa possibilidade, e fiquei de ir pensando nisso, mas sempre sem ser forçado”.

Até que chegou a hora de entrar no 12º ano. Nesta história vocacional, há um dia que ficou marcado para sempre, diz Nuno Coelho, recuando com um brilho no olhar aos tempos de juventude. Era o dia 14 de maio de 1994. Nuno não tem a data de cor na cabeça, mas sublinha que foi o dia do histórico 6-3, em que o Benfica ganhou ao Sporting, e que, portanto, é fácil de situar o momento. Fervoroso sportinguista, tinha assistido ao jogo na companhia dos seminaristas com grande desconsolo, e depois tinham ido todos jantar. “Eu resolvi perguntar-lhes quais as razões por que haveria de entrar no seminário. E um deles respondeu-me com outra pergunta: e quais as razões para não entrar? E eu já nem me lembro da resposta dele pois fiquei preso na pergunta… a pensar. A verdade é que não havia razões para não entrar. No fundo, não tinha a certeza que não queria e senti que tinha de estar disponível para me ‘pôr a jeito'”.

O seu pragmatismo, e a certeza de que não tinha nada a perder, levaram-no a entrar para o Seminário Menor, em Caparide (São João do Estoril), juntamente com o irmão mais novo, que foi para o 10º ano. O choque da vida de seminário não foi grande, garante, e foi-se habituando às regras da vida comunitária. O seminário não era longe de casa, estudava no liceu mesmo ali ao lado, e o ambiente era bom. Mas, o verdadeiro percurso vocacional começou ali, afirma, embora tenha sido levado com naturalidade e “sem grande stress”.

A maior exigência, vocacional e humana, veio nos anos seguintes, quando passou para o Seminário Maior, em Almada, onde esteve três anos, frequentando também os dois primeiros anos da licenciatura em Teologia. A vida era mais intensa, com estudo, exames, vida comunitária e pastoral. Nesse período, vieram também os obstáculos que foram gradualmente sendo ultrapassados: primeiro, o deixar para trás a possibilidade de uma vida a dois, depois, de ter filhos, e a última foi a mais difícil de superar, confessa: “O reconhecer que não era nada de especial, e que não era digno de ser padre”.

Nuno Coelho, agora com 40 anos, reconhece que só percebeu mesmo que queria ser sacerdote no 5º ano, já no Seminário dos Olivais, onde o ritmo era mais exigente, até a nível pastoral, pois começou a ajudar como seminarista no pré-seminário. “Mas estava naquele posição confortável de dizer: ‘seja o que Deus quiser’. No fundo, era pensar que se corresse bem, era porque Deus queria, e se corresse mal era porque Deus não queria. Mas era preciso eu querer também e mesmo. Faltava a decisão final que me faria atirar-me de cabeça. Acho que só aí se fez o clique”, recorda.

“Mas estava naquele posição confortável de dizer: ‘seja o que Deus quiser’. No fundo, era pensar que se corresse bem, era porque Deus queria, e se corresse mal era porque Deus não queria. Mas era preciso eu querer também e mesmo. Faltava a decisão final que me faria atirar-me de cabeça.”

Neste percurso de discernimento, o prior de Cascais realça a “sorte” que diz ter tido de conhecer bons padres do “antigamente”, mas também “da nova guarda”, dos quais destaca o P. Armindo, o P. Joaquim Duarte, e o P. Luís Rocha e Melo, jesuíta. “Sempre houve um espírito livre e sincero, de verdadeiro acompanhamento. Não estávamos ali para sermos bem comportadinhos, mas para estarmos lá inteiros. Eu que sou meio complicadinho, pois gosto de ter repostas para tudo, senti sempre imensa paciência da parte dos diretores espirituais, que me ensinaram a confessar, a pôr em prática o discernimento e a ter um diálogo espiritual livre e responsável com Nosso Senhor”.

A etapa formativa e o discernimento vocacional terminaram com a sua ordenação sacerdotal no dia 29 de junho de 2002. Nuno Coelho começou o seu percurso como padre no Seminário de Caparide, onde regressou depois para acompanhar os seminaristas que davam os primeiros passos no caminho vocacional. Aí esteve cinco anos, tendo depois passado pela paróquia de Algés durante um ano. Foi mais tarde nomeado Pároco de Cascais, onde está desde 2008, e onde tem realizado um dinâmico trabalho pastoral. Apesar das muitas centenas de batismos, casamentos, atendimentos e celebrações que tem a seu cargo, diz-se profundamente feliz e realizado na sua vocação sacerdotal e pessoal. “Apesar de ter gostado de estar no seminário, a ajudar os novos seminaristas, para mim, ser padre é isto, estar aqui junto das pessoas”, confessa, nunca deixando que o cansaço lhe retire a alegria do anúncio do Evangelho.

“Um padre pode viver num só dia, tudo o que uma pessoa vive durante toda a sua vida: a emoção de um casamento, de um batismo, de uma confissão ou de um funeral. Às vezes até com mais profundidade e intensidade”.

A exigência é grande, reconhece, porque, para além das inúmeras solicitações, um “padre pode viver num só dia, tudo o que uma pessoa vive durante toda a sua vida: a emoção de um casamento, de um batismo, de uma confissão ou de um funeral. Às vezes até com mais profundidade e intensidade”. Mas, Nuno Coelho garante que isso não o deita abaixo. Por um lado, porque já aprendeu a gerir a intensidade das coisas e a nunca perder o seu “balão de oxigénio”, que decorre da proximidade com Deus. E por outro, e mais importante, “porque tudo é de Nosso Senhor, por isso, passa apenas por mim”.

Para aprofundar o tema das vocações, consulte a página Ser Jesuíta.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.